Hoje
estava mexendo nas memórias digitais do meu computador (que são idênticas a
memória convencional e até merecem uma postagem depois) e encontrei um discurso que fiz em 2002, ao final da minha
especialização de Clínica Médica. Fiquei muito feliz, pois venho
mantendo uma certa coerência nesses 11 anos de formado. Minha visão sobre a
medicina e a área de saúde em geral segue bem semelhante. Vejam aí...
“Pois bem,
estamos terminando a residência; para alguns, mais uma, para outros, a primeira. O que vem a nossa cabeça quando pensamos em residência? Plantão, claro. A gente
emagrece, engorda, xinga a farmácia e dá um plantão; aprende, some dos eternos
amigos da faculdade, faz novos grandes amigos, e faz prescrição; xinga
enfermeiro, xinga chefe, estressa e dá mais um plantão.
Hoje,
damos mais um passo importante nas nossas vidas profissionais, tendo o
privilégio de trabalhar em uma instituição tradicional e de respeito na
comunidade médica de Belo Horizonte. O Hospital Felício Rocho nos recebeu com
sua estrutura grandiosa e seu corpo clínico excelente, tornando-se uma
referência certa e forte nos nossos currículos. Obviamente, o Hospital tem seus
problemas; porém, esses são, facilmente, superados pelas suas virtudes. Certamente, todos nós teremos orgulho em dizer que fizemos
nossa residência ou especialização no Hospital Felício Rocho de Belo Horizonte.
Nesse
momento, a lembrança do início torna-se presente: os novos colegas, os preceptores, os enfermeiros, o Hospital, a farmácia, o refeitório e muitos outros. Porém, algo
ficará gravado para sempre na memória de todos, como referência dessa fase tão
feliz das nossas vidas: O BEEP !!!! Êta aparelhinho malacabado. O Beep, tão querido
e estimado por nós, tem o incrível poder de transformar o humor das pessoas.
Aquele barulhinho insuportável consegue tirar qualquer um do sério. Reza a
lenda que o famoso Beep foi criado em meados de 1939 como técnica de tortura
nazista, e ainda hoje é utilizado de maneira bastante eficaz. Ah, e a escolha
do barulhinho menos pior... quem já pegou aquele Beep sabe do que estou falando.
Pois então, muitos, aqui hoje, estão comemorando não a colação, e sim, o fim do
Beep, ou o início de um menos pior. Que alívio, heim?
Bom,
Beep a parte, gostaria de fazer algumas breves considerações a respeito da
medicina atual. Primeiro, uma medicina de muita informação e pouca formação, na qual vem ocorrendo uma banalização das coisas simples e comuns, que são tão
importantes quanto as complexas. Por exemplo, educação, paciência, caligrafia,
humildade e bom humor. Atualmente, um médico bem humorado, paciente, com letra
legível e educado, ou seja, básico, é extremamente raro.
Segundo,
uma medicina de muita reclamação e pouca ação. Hoje em dia, o que mais estamos
vendo é médico reclamando, seja do colega, seja da instituição em que trabalha,
seja dos planos de saúde, seja dos familiares dos pacientes, seja do excesso de
trabalho, seja dos enfermeiros, seja do seu time. Reclamar, hoje, tornou-se o
principal hobby do médico. De que adianta xingar a má remuneração e se
submeter, as vezes, a condições ridículas de trabalho? De que adianta tentar
resolver sozinho, se sabemos que o trabalho em equipe é muito mais eficiente? De
que adianta apenas criticar a instituição em que se trabalha e não fazer nada
para melhora-la? O problema não é falta de tempo, mas sim, comodidade.
Sempre foi muito mais fácil criticar que fazer. É necessário descruzar os
braços e passar a agir para melhorar.
Terceiro,
uma medicina de médicos muito frágeis e desunidos. A prepotência e o choque de
egos faz com que os médicos se isolem cada vez mais, enfraquecendo a classe. O
trabalho em equipe deve ser valorizado e aprimorado mais e mais em qualquer
instituição. Muitas vezes, nós médicos nos julgamos mais capazes e até
subestimamos o trabalho dos outros colegas, como enfermeiros e fisioterapeutas; porém, é preciso saber que eles são peças tão fundamentais como o próprio
médico. É preciso equilibrar valores e respeitar igualmente desde o faxineiro
até o chefe; só assim existirá harmonia e eficiência em uma equipe de trabalho.
A limitação não é motivo para desvalorização. O único jeito de atingir
objetivos é dividir tarefas, trabalhando junto, respeitando e ajudando cada
pessoa a sua volta, valorizando o sucesso do colega como
engrandecimento do grupo, da instituição. Sabemos que os grandes médicos
possuem grandes equipes. Ajudar hoje para ser ajudado amanhã.
Um outro
aspecto que eu não poderia deixar de mencionar é o auto cuidado. Cuidamos muito
bem do próximo e, constantemente, esquecemos de nós mesmos. Vamos trabalhar sim,
mas vamos viver também! A vida não é e não pode ser só medicina. Mantenha os
amigos da escola, da rua, da família; ao menos você terá outros
assuntos, que não medicina, num bate papo informal. Vamos manter nossos
hobbies, além das reclamações. Vamos praticar um esporte, ler, escutar uma boa
música, ficar mais com a família, jogar conversa fora e namorar mais. A
medicina exige muito e o médico precisa estar sempre inteiro para
exercê-la da melhor maneira possível; senão, como um doente vai cuidar do outro?
Saibamos, também, que 10 dias de férias não são suficientes para desatualizar ninguém!
Torna-se necessário desligar da medicina de vez em quando.
Saibamos que
felicidade e bom humor são altamente contagiosos e que são, com comprovação
científica, os únicos remédios ótimos para qualquer doença. E o melhor, sem
efeitos colaterais!
Tá
insatisfeito? Tudo bem, então vai fazer direito, engenharia, vai jogar futebol,
sei lá!
Acordou de
mau-humor? Tudo bem, mas a enfermeira, o paciente e o seu colega não têm nada a
ver com isso. Dê bom dia aos outros, sorria mais.
Vamos
praticar uma medicina de maneira saudável e feliz. Com certeza, teremos melhores
resultados.
Humildes e
eternos aprendizes, iniciamos uma nova etapa!
Obrigado
Hospital Felício Rocho!
Adeus Beep!
Sejam todos
muito felizes!
Obrigado!
Breno Figueiredo Gomes - Medicina Interna - Dezembro de 2002”