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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Cirurgia Bariátrica: Operaram o Órgão Errado!

            Dia destes fui almoçar em um self-service perto de casa, o terror de qualquer dieta. Oba! Feijão tropeiro! Beleza, hoje tem batata frita! Ah, esta lasanha está com uma cara tão boa, vou pegar só um pedacinho para provar. Risoto! Hoje é o meu dia de sorte! Bife de boi, um de porco e um pedacinho do de frango... Adeus dieta! Manter a linha em um restaurante deste é realmente muito difícil.

        Desaparecido atrás do “pequeno” prato, comecei a peleja. Assentado na minha frente encontrava-se uma daquelas figuras típicas de restaurante self-service. Um jovem muito obeso com o prato transbordando. Certamente ganharia indicação para cirurgia bariátrica sem a utilização de subterfúgios, muito frequentes atualmente. “Ajudar” o cliente a preencher os critérios para cirurgia parece absurdo, mas acontece. Discutimos bastante a indicação e a banalização da cirurgia de redução de estômago na nossa equipe. O aumento significativo deste procedimento vem evidenciando, cada vez mais, os seus riscos e uma realidade cruel. Deficiências vitamínicas e de ferro são comuns e fáceis de se contornar; o difícil é mudar a cabeça do obeso. Indicações existem, mas a preparação psicológica me parece insuficiente na maioria dos casos. Pacientes operados que voltaram a engordar estão se tornando muito comuns. A cabeça não estava preparada para largar a obesidade.

            No caso daquele jovem, a preparação psicológica parecia pronta. A sua lentidão para se alimentar me chamou a atenção, apesar do prato bem cheio. O problema só podia ser do seu metabolismo. Ele dava uma garfada, olhava para o infinito. Mastigava como uma tartaruga, colocava os talheres sobre o prato, aguardava alguns minutos e só depois enchia um novo garfo. Organizava o arroz e o feijão no prato de maneira metódica. Mais parecia um menino já saciado com vergonha de falar para a mãe que não queria mais comer. Chegara mais tarde que ele e já havia devorado meu prato enquanto o jovem mantinha seu ritual de “very very very slow food”.

            Um dos princípios básicos para conseguir perder peso é alimentar-se devagar. Neste quesito aquele jovem me parecia um mestre. Continuava sem entender aquela obesidade desproporcional...

        Como um jovem tão obeso comeria assim tão devagar? Estaria fazendo regime? Fiquei muito encucado com aquela situação. Eis que a resposta surgiu junto com a dona do restaurante... O jovem estava apenas esperando seu bife de fígado acebolado que estava sendo preparado e acabara de chegar a sua mesa após um longo período de espera. Dali em diante, em menos de 3 minutos, terminou todo o seu prato sem quase respirar direito. Estava explicado...

            Sei dos benefícios da cirurgia bariátrica bem indicada, mas muitas vezes opera-se o órgão errado. O problema não é no estômago e sim na cabeça. O estilo de vida, a influência dos familiares e da própria sociedade são alguns dos verdadeiros culpados. Pobre coitado do estômago! A preparação psicológica é fundamental e deve ser seguida criteriosamente no pré-operatório. Me atrevo a dizer que aquele obeso que passa por um acompanhamento psicológico e psiquiátrico sério tem mais possibilidades de emagrecer sozinho (“fechando a boca”) do que com a cirurgia. Meia dúzia de visitas ao psicólogo não conseguem preparar os pacientes adequadamente e nem resolver o verdadeiro problema. O caminho mais fácil nem sempre nos leva ao destino correto. Um corpo saudável e uma boa saúde dependem de esforço, disciplina e atitude. Cirurgia e remédio são sintomáticos. O verdadeiro problema precisa ser tratado junto para se alcançar um resultado satisfatório.

            Com raríssimas exceções, a obesidade é resultado de uma ingesta maior do que o consumo ao longo de anos. Dietas milagrosas não resolvem o problema. Uma educação alimentar desde a infância, com exemplos familiares, atividades físicas e “cuca” boa irão determinar os dígitos da balança quando você sobe nela. Mudar hábitos, principalmente alimentares, é mais difícil que tratar um câncer, na maioria das vezes.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sapato Velho

         Certa vez, conversando à beira mar com um casal de amigos, vendedores de sapatos, escutei uma pérola que levarei sempre comigo. Estávamos divagando sobre médicos e medicina...
            - Pois é Breno, outro dia fui à um médico que gostei muito mas nunca mais volto lá...
            Sem entender nada perguntei o motivo. A resposta, uma lição.
            - Você precisava ver o sapato dele. Credo! Todo encardido e de branco já não tinha nada. Se cuida do sapato daquele jeito, imagina dos seus pacientes...

            Pois bem, esta pequena passagem real me estimulou a falar um pouco sobre a qualidade percebida pelo nosso cliente. Na prestação de qualquer serviço, a percepção de qualidade geralmente é distinta entre o cliente e o prestador. As técnicas mais modernas de gestão tentam, simplesmente, aproximar ao máximo estas percepções. Em medicina, nem sempre aquilo que o médico julga ser a essência maior de qualidade, ou seja, o sucesso do tratamento, é percebido pelo cliente como tal. A percepção de qualidade do cliente pode ser bem distinta e até considerada “boba” ou supérflua pela maioria dos médicos, mas é real e determinante na escolha do profissional e da instituição de saúde.

            Costumo apresentar a seguinte fórmula nas minhas apresentações:

Satisfação do Cliente = 
Resultado + (2 x Atendimento)

         Exemplificando melhor... Um cliente procura o médico por causa de uma tosse produtiva, febre e mal-estar geral. O médico atende rapidamente, o diagnóstico é relativamente simples. Sem oferecer a mínima atenção, prescreve corretamente um tratamento com antibiótico. Analisando a conduta, definiu-se o problema e instituiu-se a solução correta. Mesmo assim, o cliente sai insatisfeito do consultório e, além de duvidar do diagnóstico dado, ainda vai falar mal do médico. O que aconteceu de errado? O médico resolveu o problema do cliente, não?

            Na área de saúde, nem sempre o resultado final é diretamente relacionado a satisfação do cliente ou à sua percepção de qualidade. Um resultado ruim pode estar associado a satisfação final do cliente e vice versa. A qualidade percebida pelo cliente está muito ligada a fatores tangíveis, fáceis de serem notados, e não necessariamente relacionados diretamente à prestação do serviço em si. Uma roupa alinhada, uma barba bem feita, sapatos bonitos, consultório elegante, secretária educada e pontualidade, dentre outros, são alguns fatores relacionados a qualidade percebida pelo cliente. Não adianta questionar o que é fato. Obviamente que a qualidade técnica do atendimento em si é importante. Atenção, empatia e cumplicidade são intangíveis e indispensáveis.

            A resposta mais frequente é a seguinte: “Ganhando pouco e trabalhando muito, vou ficar me preocupando com barba, roupa ou piso do consultório?”. Pois é, se você pensou nesta resposta ao ler o parágrafo acima, reveja seus conceitos. O principal fator de sucesso na prestação de serviços é a satisfação do cliente e você, insiste em negligenciar. Já comentei sobre isso em uma postagem (Colocando o Dedo na Ferida) que vale a pena ser lida, relida e rediscutida.
           
            Insisto que precisamos enxergar o que o cliente necessita além da cura propriamente dita. A chamada “medicina alternativa” está crescendo tanto porque oferece a carência principal da medicina tradicional: atenção. Claro que existe má fé e picaretagem em todas as “medicinas”, mas julgar sem conhecer é um erro primário que não cometo. Exerço a medicina alopática tradicional e procuro, simplesmente, aprender também com a “concorrência”.

                 Ofereça aquilo que é importante para o seu cliente e não somente aquilo que você julga importante. Um sapato pode sim, refletir a personalidade do médico na opinião do cliente. Pense nisso e vá comprar um sapato novo!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Santo de Casa não Faz Milagre


     O provérbio acima é um paradigma na área de saúde, muito mais frequente do que imaginamos. Em uma rápida pesquisa, atribui-se este provérbio a Jesus, na bíblia (Marcos 6, 4-5), que diz: “Um profeta não fica sem honra senão na sua terra, entre os seus parentes, e na sua própria casa. E não podia fazer ali nenhum milagre...

     Apesar de bem antigo segue atual. Qual seria o principal motivo? Esta talvez seja a minha grande dificuldade em relação à medicina. A tendência natural diante de uma queixa de um familiar é a banalização. “Não é nada não... Fica tranquila que vai passar... Toma só um analgésico simples... Se não melhorar procuramos um médico... Agora não, depois eu afiro a sua pressão...” e assim vai. A atenção que sobra para os meus pacientes é, muitas vezes, escassa com aqueles que mais amo.

     Seria a vontade de descansar, de se evitar o trabalho em casa? Não deixa de ser uma justificativa plausível mas não se encaixa em mim. Meu celular fica disponível 24 horas por dia, para todos os meus pacientes, e atendo todas as chamadas sem o menor problema. Além disso, qual médico não estuda após o expediente? Ou estudo não é trabalho?

     Seria o envolvimento emocional intenso que nos faz evitar alguns problemas de saúde dos nossos familiares? Pode ser, entretanto, o envolvimento com alguns pacientes também é muito frequente, apesar de totalmente diferente.

     Podem até dizer que fiz milagre na ocasião já contada aqui com o papai (Papai Ganhou na Loteria) mas estou falando é do dia-a-dia. Daqueles dias comuns, inundados de rotina e que são os mais frequentes.

     A história muda quando o nosso familiar próximo precisa de atenção médica real (em casos de urgência, por exemplo). Somos quem mais cobramos atenção, disponibilidade e eficiência do sistema. Assumimos a linha de frente e muitas vezes até atrapalhamos o colega que assumiu o caso. A atenção escassa do dia-a-dia brota abundante de uma hora para a outra. Peso na consciência????

     Precisamos lembrar que as queixas relacionadas à saúde, vindas de dentro de casa, também são pedidos de atenção. A falta de um beijo, de um abraço ou de uma conversa sem pressa são as principais carências. Reconheço minha limitação.  Assumir os problemas de saúde dos nossos familiares não é uma boa idéia e ainda é muito perigoso. Encontrar um médico de confiança que assuma esta responsabilidade é o melhor caminho.

     Não pretendo e nem vou assumir a saúde dos meus familiares mas vou oferecer, no mínimo, a mesma atenção que dispenso aos meus pacientes. Dizem que para se resolver um problema é preciso reconhecê-lo antes, sendo assim, o primeiro passo foi dado. Agora, é fazer e parar de divagar...

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Velho Plantonista



Ensina sem força
Paciência extrema
Ensina deitado sobre as evidências
Literalmente dorme com elas

Pratica com experiência
Estuda feito residente
Ri das suas limitações
Esbanja segurança

Um fominha eterno
Procedimentos perfeitos relâmpagos
Cadê a “véia”?
Seu paciente, sua prioridade

Sorte de quem trabalha com ele
Ensina até no ronco
Porta aberta sempre
Resolve o problema, não rodeia

Infelizmente não é eterno
O tempo passa, o exemplo fica
Certeza? Uma só
Seu ideal continua aqui



Minha homenagem a um grande amigo, colega e mestre,
Dr. Eduardo Fonseca Sad, o Tonsa.
Após 12 anos de parceria no CTI Geral do Hospital Felício Rocho com muita gargalhada e aprendizado constante, o velho Tonsa sai dos plantões noturnos de segunda.
O plantão ficou pequeno para ele...