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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Traição Disfarçada na Saúde

     O presidente do Google permitiria que um funcionário seu trabalhasse no Facebook? O dono da Coca-Cola, deixaria seu gerente trabalhar meio horário na Pepsi? O gerente da FIAT iria tolerar seu funcionário trabalhando na Ford? A resposta parece óbvia mas no setor de saúde isso é absolutamente normal. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e até mesmo gestores trabalhando em vários hospitais concorrentes. 
Leviano aquele que afirma que não existe concorrência entre hospitais. É óbvio que existe e está se acirrando a cada dia. Bom para os hospitais, melhor ainda para os pacientes. A busca contínua das melhores práticas tornou-se peça fundamental no cenário de saúde atual. A segurança do paciente já é uma ferramenta nobre de gestão, marketing e lucro dos hospitais. Não muito longe, os pacientes já escolhem os hospitais que irão ser atendidos. Aquelas instituições que não se prepararem, impreterivelmente, serão “engolidas”.
Citarei alguns pontos que julgo importantes nesta discussão:
1- Médicos - A formação do médico é muito longa, dispendiosa e sacrificante. Enquanto um engenheiro entra no mercado de trabalho em 4 anos, o médico que se propõe a se especializar em cardiologia, por exemplo, entra após 10 anos. A “ansiedade financeira” é característica comum da maioria absoluta dos jovens médicos. A necessidade de começar a ganhar dinheiro rápido leva o jovem profissional a se submeter a condições de trabalho ruins,  a uma carga horária desumana e ao “nomadismo médico”. Vejo inúmeros colegas achando bonito trabalhar em quatro, cinco, seis lugares diferentes. A escolha de locais baseados apenas nos ganhos financeiros é uma realidade. O médico, literalmente, é engolido pelo sistema. Boa parte deste problema é gerado pelo próprio hospital que não estimula a fidelização.
2- Enfermagem - Os profissionais da enfermagem (enfermeiros e técnicos) esbarram em uma legislação “para inglês ver”. A carga horária é limitada em um serviço mas o número de serviços não é limitado pela legislação. Profissionais trabalham em diversos locais para melhorar a renda e não se dedicam de forma plena à uma instituição. Outro fator preocupante é a falta de estabilidade no emprego. Gostaria de lembrar aqui que estabilidade no emprego, na maioria das vezes, é conseguida pela qualidade do serviço prestado e dedicação. O bom profissional, de verdade, não precisa ter medo pois sempre terá o seu lugar. 
3- Gestores - Inúmeros profissionais prestam consultoria para várias instituições concorrentes. O acesso a informações privilegiadas, inovações, deficiências e projetos coloca estes profissionais em uma posição bastante ambígua. Excelentes salários e cobranças de resultados praticamente inexistentes ou facilmente manipuladas viram uma rotina com o passar dos anos.
4- Hospital - A desvalorização do corpo clínico e da enfermagem criam instituições cheias de bons profissionais sem uma equipe realmente efetiva. Aceitar os “nômades” e cobrar resultados é ininteligível.
Os grandes hospitais já começaram a vislumbrar o óbvio. A formação de uma equipe de trabalho exclusiva pode ser um caminho. A Medicina Hospitalar cresce a cada dia e se mostra uma alternativa viável e eficiente. O médico precisa enxergar que agregar-se a uma grande instituição é muito importante. A participação ativa na gestão favorece o crescimento do hospital e do próprio profissional. A enfermagem precisa rever suas legislações e defender a exclusividade bem remunerada, ao invés, de sonhar com uma estabilidade ilusória. As grandes instituições precisam de independência decisória para se tornarem competitivas. Valorizar os profissionais “da casa” é o caminho mais fácil e promissor. Cativar os colaboradores com boas condições de trabalho, remuneração justa e reconhecimento promovem a cumplicidade, a exclusividade e a obtenção de resultados realmente impactantes para a instituição. As instituições que acabarem com esta “traição disfarçada” sairão na frente.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Depilação do Tatá

       Baseada em um relato real de um "primo", conto esta história que evidencia o amadorismo na prestação de serviços em saúde que, infelizmente, ainda é muito frequente.
Os trinta anos estavam chegando e Tatá achou que seria importante fazer uma avaliação geral da sua saúde. Jamais tinha sentido nada mas encontrava-se visivelmente acima do peso, fumando e trabalhando em excesso. A vida profissional, cheia de viagens, impossibilitava, sob o seu ponto de vista, uma dieta mais saudável e a prática de alguma atividade física. Havia engordado 20 quilos nos últimos 10 anos e vinha pitando um maço de cigarro por dia.
Primeiro problema:  encontrar um bom médico para se consultar. Um amigo indicou um clínico geral de confiança da família. Ao ligar na clínica, constatou que o referido médico só atendia clientes particulares. Tatá ficou indignado, afinal de contas, pagava seu plano há pelo menos 15 anos e nunca tinha usado para nada. Resolveu encontrar um médico que atendia pelo seu plano.
Segundo problema: encontrar um médico do convênio para se consultar. Pegou o livrinho do plano de saúde com todos os clínicos gerais disponíveis. A maioria dos médicos não era encontrado no número telefônico fornecido pelo convênio. Ao encontrar um médico, ou era muito longe da sua casa ou só tinha consulta para daqui a 2 meses. Após muito custo, conseguiu um médico para lhe atender em "apenas" duas semanas. Agora era esperar a consulta e pronto. 
Terceiro problema: a demora no atendimento. Tatá chegou ao consultório do médico com 15 minutos de antecedência e encontrou a sala de espera lotada. Ficou em pé por 20 minutos até conseguir um lugar. Leu todas as revistas disponíveis, desde Caras até um gibi da Turma da Mônica. Após 45 minutos de atraso foi chamado pelo médico.
Quarto problema: a consulta. Tatá não tinha muito o que falar já que sua saúde era boa mas, uma consulta de sete minutos e meio realmente o assustou um pouco. Saiu com vários pedidos de exame de sangue e um teste ergométrico. Tatá até conseguiu entender os exames de sangue (hemograma, colesterol, glicose...). Agora, teste ergométrico, ele não tinha a menor idéia do que se tratava. O médico não explicou nada sobre o porque e como eram realizados tais exames.
Quinto problema: a marcação do exame. O menor dos problemas. Agendou o tal teste para ser realizado em uma semana. A clínica era conhecida na cidade. Solicitaram que Tatá fosse de short e tênis sem oferecer maiores detalhes.
Sexto problema: o teste ergométrico. Tatá chegou na clínica com dez minutos de antecedência sendo recebido pela secretária. Após o preenchimento de alguns papéis foi orientado a aguardar. Felizmente a espera não foi longa e uma enfermeira o chamou logo em seguida. Pediu para tirar a camisa e se deitar em uma mesa sem explicar nada. Com uma naturalidade impressionante, pegou uma lâmina de barbear e ao iniciar a depilação de alguns pontos do peito de Tatá foi interrompida pelo atônito paciente. Tatá se recusava terminantemente a fazer a tal depilação. Após alguns minutos de estresse, o médico veio e explicou que a depilação era apenas para fixar os eletrodos do eletrocardiograma e minimizar as interferências durante o exame. A depilação era fundamental. Só assim Tatá permitiu, com muito desgosto, e fez o exame que não mostrou alterações.
Sétimo problema: o retorno ao médico. Desta vez foi atendido rapidamente, nos dois sentidos. Entrou no consultório e entregou os exames para o médico. Após uma leitura rápida dos resultados, o Doutor pegou o receituário e prescreveu um medicamento. A letra era completamente ilegível. "O seu colesterol está alto. Comece a tomar este remédio todos os dias à noite, faça alguma atividade física e daqui a três meses você repete o exame. Te vejo em três meses." A consulta desta vez não havia durado nem cinco minutos. Tatá deixou o consultório perplexo, jogou a receita no lixo e jurou que nunca mais voltaria naquele médico.
O amadorismo na prestação de serviços em saúde continua comum. Todos conhecemos casos semelhantes ao de Tatá. A falta de comunicação é, sem dúvida nenhuma, o maior dos problemas. Os profissionais de saúde frequentemente acham que o cliente já sabe tudo. Um pouco de atenção e comunicação minimizariam bastante as angústias, medos e inseguranças dos nossos clientes. Felizmente existem profissionais gabaritados no mercado. Procure-os. Uma consulta particular de qualidade, em um bom médico, vale o investimento. Isso, eu garanto. 

Obrigado pelas manifestações de carinho nesta data querida. Foi com muito orgulho que recebi duas citações em blogs bem bacanas: 
1- www.editorasaojeronimo.com.br/manodown - do meu primo irmão, Léo Gontijo, que ilustra o seu amor pelo Dudu, seu irmão e nosso ídolo.
2- www.asdicasdadrica.blogspot.com - da colega Adriana, de faculdade e de blog, que elogiou o meu blog com palavras de carinho.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Equipe de uma pessoa só

        Dr.Juca veio de família humilde e sempre foi um batalhador. Muito estudioso, formou-se em medicina e iniciou uma bela trajetória. Na região, Dr.Juca era considerado o melhor. Atencioso e muito dedicado, criou uma clientela expressiva. Atendia exclusivamente em consultório e sempre trabalhou sozinho. Os dois filhos não fizeram medicina muito pela ausência do pai. Dr.Juca ficou famoso por suas curas ditas milagrosas. Ao final de 54 anos de dedicação exclusiva aos seus clientes, por problemas de saúde, abandonou a medicina e aposentou-se com relativo sossego financeiro.
      A história do Dr.Juca demonstra um "desperdício" de sabedoria muito comum no nosso meio. Experiência e vivência na medicina deveriam ser sempre passadas para os mais jovens. Minimizar os erros e encurtar o caminho para as novas gerações é um ato evolutivo. Conto esta história para exemplificar, de maneira prática, uma das principais vantagens do trabalho em equipe na prestação de serviços em saúde. Caso você não trabalhe em equipe, reavalie seus conceitos.
     A formação de uma família tem como principal objetivo a manutenção da espécie, das idéias, crenças e costumes. Família é a certeza da continuidade de princípios e atitudes, além dos genes. Em analogia, o segredo da perenidade e do crescimento na prestação de serviços é a formação de uma boa equipe.
      O trabalho em equipe é fundamental para o sucesso individual pleno. O sucesso profissional pode ser alcançado individualmente mas geralmente às custas do sacrifício pessoal e familiar. Na área médica, historicamente, a prestação de serviços sempre foi muito individual e centrada em um único profissional. O médico sacerdotal e 100% disponível para os seus clientes cede espaço para o médico que trabalha em uma equipe que está 100% disponível para os seus clientes. Os clientes têm o médico de referência mas conhecem os outros membros da equipe que oferecem a mesma qualidade no atendimento em caso de férias, congressos e imprevistos (de saúde, por exemplo). Trabalhar em equipe é um requisito indispensável para a qualidade de vida.
       A formação de uma boa equipe é o ponto principal e mais complexo. O ideal é, literalmente, você criar a sua equipe. A residência/especialização médica torna-se peça fundamental neste processo. Durante a residência, além de contribuir para a formação do jovem médico, você tem nas mãos uma fonte perfeita de excelentes profissionais. "Moldar" o jovem profissional com as características e os valores da equipe facilitam bastante a escolha de um novo membro e o crescimento da mesma. Após a entrada do novo membro da equipe, a assistência dos mais velhos continua primordial até a estabilização profissional e emocional do mais jovem. Esta transição precisa ser gradual e valorizada por toda a equipe. O jovem não ocupa o lugar do velho, e sim, novos espaços.
        O medo de dividir impede o crescimento real e perene do indivíduo. O trabalho em equipe permite que suas e atitudes permaneçam vivos e influenciando as pessoas mesmo após o abandono da profissão. Agregando bons profissionais a sua equipe, agrega-se qualidade, ocupa-se espaço, divide-se responsabilidades, ganha-se tempo para sua família e seu hobby, além de multiplicar os lucros (pode ter certeza). O seu colega excepcional não deve ser visto como concorrente, e sim, como sócio.
       A equipe precisa trabalhar em sincronia e nivelada nas obrigações e financeiramente. A exploração de colegas tornou-se prática comum entre médicos (e em outras profissões também), apesar de proibida pelo código de ética médica. Tenha certeza que a divisão justa mantém a equipe "azeitada" e motivada, o mais novo pode até receber menos no início mas com perspectiva de equidade financeira no decorrer dos anos. Caso isso não ocorra, a equipe não trabalhará com todos os seus membros satisfeitos e isto é o primeiro passo para a ruptura. A sensação de estar sendo explorado é muito pior que a remuneração propriamente dita.
Equipe em saúde é...
  • Ajudar e ser ajudado. 
  • Aparar arestas de maneira profissional. 
  • Divisão igual de tarefas e de dinheiro. 
  • Crescer junto. 
  • Unir características diferentes para potencializar a equipe. 
  • Hierarquia saudável. 
  • Defender a residência/especialização para garantir a perenidade e o crescimento. 
  • Trabalhar agregado a uma instituição.


Veja a figura abaixo, enviada pelo colega Pedro Nogueira Duarte. Sensacional!


terça-feira, 4 de outubro de 2011

Se eu internar um dia...

"Se eu internar um dia... 
Vou morrer é de medo."
Prof.Luis Otávio Savassi Rocha

      Todos nós já nos deparamos com casos de erros relacionados a assistência em saúde, seja em pessoas próximas ou na mídia. Ao estudar o tema, nos deparamos com um problema bem maior e assustador do que imaginávamos. Resolvi discutir este assunto para sugerir medidas práticas efetivas de segurança durante uma internação hospitalar. Atualmente, temos exemplos de instituições que encaram a segurança do paciente como prioridade e com profissionalismo. Diversas áreas possuem gerenciamento de riscos e de segurança profissionais, muito bem estabelecidos e eficazes. Nos hospitais, ainda estamos distantes de oferecer segurança real aos nossos pacientes. Como exponho a seguir, muitas vezes, prejudicamos mais que ajudamos.
     Desde 1999, com a publicação do livro, “Errar é Humano: Construindo um Sistema da Saúde mais Seguro”, nos EUA, inúmeros trabalhos vêm expondo as fragilidades do sistema hospitalar pelo mundo. A realidade nua e crua é assustadora. Pouquíssimos hospitais brasileiros encaram esta realidade de frente e com a devida importância.  Seguem alguns dados:
  • 40% dos pacientes internados sofrerão um evento adverso durante a sua internação.
  • 1-13% irão falecer devido a um evento adverso evitável.
  • Nos EUA, estima-se que as mortes relacionadas à assistência ao paciente seja a 8a. causa de mortalidade geral. Supera os acidentes automobilísticos, o câncer de mama e a AIDS.
  • No Brasil, estima-se que tenhamos aproximadamente 61 mil óbitos por ano devido a eventos adversos evitáveis na área de saúde.
       O erro é analisado de maneira amadora e equivocada na grande maioria das instituições de saúde. Achar um culpado é o primeiro passo para o insucesso. Na maioria das vezes, não existe uma pessoa culpada e sim, um processo ou uma estrutura errada. Mandar embora, humilhar ou rotular uma pessoa é o mesmo que empurrar a sujeira para debaixo do tapete. Mudar a pessoa é muito mais fácil que mudar um processo. Encarar o erro na instituição como forma de aprendizado e oportunidade de melhoria, demonstra o amadurecimento na gestão de qualidade.
       Felizmente, algumas das nossas instituições já estão se movimentando para mudar esta realidade. A batalha vai ser dura e longa mas precisamos iniciar o processo localmente nas nossas instituições. A participação do próprio paciente e dos familiares no processo de segurança do paciente torna-se vital.
       Na prática, ao escolher um hospital para realizar seu tratamento, ou de um ente querido, tome as seguintes providências para minimizar o risco:
1- Tenha uma equipe médica de sua confiança no hospital (ponto principal).
2- Não escolha o hospital apenas pela fachada ou hotelaria. Hospital, infelizmente, não é hotel (óbvio que são serviços importantes mas não podem ser os principais determinantes da escolha).
3- Esclareça todas as suas dúvidas com a equipe médica e de enfermagem, mesmo as mais simples.
4- Cuidado com o Google! Informação sem formação só gera medo, angústia e mais dúvidas ainda.
5- Faça uma lista de todas as medicações que esteja utilizando (nome, dose, horários). Mostre-a para a enfermagem e para os médicos.
6- Envolva-se com o tratamento proposto. Questione sobre as medicações prescritas (tipo, dose, horários, duração e efeitos colaterais) e exames solicitados (indicação, real necessidade e benefícios).
7- Cobre a higienização das mãos de todos que entrem no seu quarto. Não é chatice, é  segurança.
8- Cobre a aferição dos dados vitais (pressão arterial, oxigenação, frequência cardíaca e respiratória).
9- O hospital preocupa-se com a sua segurança? Possui uma Comissão de Segurança do Paciente?

        Tomando estas medidas simples, sua internação será muito mais segura!