Quem sou eu

terça-feira, 26 de junho de 2012

O Bendito Sistema

      Quem nunca escutou a bendita frase: “O sistema é assim!” Independente da sua origem, seja na computação, na saúde, no direito, na economia, nas relações humanas, sempre teremos um sistema que nos guiará. Nunca consegui definir “o sistema”, mas divagar... 

      Na política, ele é tão forte que corrompe ou esmaga o mais correto dos indivíduos. Alimenta-se da desigualdade entre as pessoas, seja financeira ou intelectual. Conseguir uma mudança do sistema político de uma nação é algo grandioso, trabalhoso, desgastante e que demanda várias gerações. A educação é a única arma conhecida que pode mudar o sistema; porém, o que o mantém vivo, e cada vez mais forte, é a ignorância. Óbvio e ululante que o sistema não vai priorizar a educação, seria um suicídio. 
    
     Na saúde, o sistema engole a boa prática, sustentado pela “elasticidade moral”: condutas inadequadas, tomadas com a consciência tranquila. Atendimentos de péssima qualidade, justificados pelo sistema. “Não adianta ir contra, pois vai morrer de fome.” 

      No serviço público, o sistema é irredutível. Saiu do sistema, não existe. E o pior, não é possível inventar. Lento, burocrático, pouco resolutivo, confuso… sempre foi assim. Quem controla o sistema? Ninguém sabe. Quem inventou o sistema? Ninguém sabe. Quem pode mudar o sistema? Ninguém sabe. Por que precisamos seguir este sistema? Porque sempre foi assim… 

    Na economia, o sistema capitalista reina absoluto, utilizando a desigualdade como mola propulsora e o consumismo como principal combustível. O importante não é ser, é ter. Na minha opinião, um sistema doente e insustentável, que será substituído em breve, por vontade ou por obrigação. 

     O sistema sempre será uma excelente desculpa para aqueles que não sabem ou que não querem resolver um problema. Justifica condutas inadequadas, sem contra argumentação. “Eu sei que é errado, mas faço porque o sistema é assim”. Argumento infalível dos acomodados. Tormento dos questionadores da ordem. 

      Como consertar um sistema? “Resetando” ou dando um “boot”, ele pode voltar menos corrompido e até se consertar. Infelizmente, não temos uma tecla de reiniciar nos sistemas em que estamos incluídos. Novamente, reafirmo que a boa educação vem de casa, com bons exemplos. Quem sabe em umas cinco ou seis gerações, o sistema possa ser, pelo menos, desviado para um caminho menos desigual e mais saudável para todos. O sistema é reflexo das nossas condutas. Segundo Capitão Nascimento, no filme Tropa de Elite, só existem três maneiras de lidar com o sistema: “ou você se omite, ou você se corrompe, ou você vai para a guerra!” E aí? Vamos para a guerra?

terça-feira, 19 de junho de 2012

Febre Nem Sempre é Infecção


     A febre é o sinal de alerta mais conhecido em saúde. Ao primeiro sinal de febre, o desespero é uma constante. Na criança, preocupação; no adulto jovem, virose; no idoso, risco de vida. Na prática clínica diária, o diagnóstico adequado da causa da febre nem sempre é tão simples.

    As viroses são causas muito frequentes, porém, são apenas algumas das mais de duas centenas de doenças que causam febre. A segurança para apenas observar ou encaminhar o paciente para o CTI (Centro de Terapia Intensiva) advém de muito estudo e vivência do bom médico.

    A grande maioria das febres é inofensiva. Nem toda febre é sinal de infecção. As doenças, muitas vezes, são auto-limitadas, ou seja, curam-se sozinhas, apenas com os mecanismos de defesa do organismo. Antibióticos são absolutamente dispensáveis nesses casos. Lembrem-se que a grande maioria das febres não são tratadas com antibióticos. Defendo e valorizo muito a lei que impede a venda de antibióticos sem receita. O uso indiscriminado de antibióticos gera uma seleção bacteriana perigosa. Bactérias multirresistentes são cada vez mais frequentes.

    Os antibióticos estão sendo utilizados, em grande parte, como ansiolíticos para médicos e pacientes, em casos de qualquer suspeita de infecção. O uso do antibiótico gera uma falsa segurança e um relaxamento na busca da verdadeira causa da febre. Saibam que o antibiótico iniciado inadvertidamente pode aumentar a mortalidade em certos casos.

    Na medicina, temos uma entidade denominada Febre de Origem Obscura (FOI). A FOI é um quadro febril mantido sem diagnóstico após uma propedêutica inicial ampla. A FOI é um dos maiores desafios para os clínicos e a sua definição diagnóstica pode demorar meses. A ansiedade pelo uso de antibióticos é escancarada e, raramente, vemos pacientes sem recebê-los.

   Nossa equipe tem uma vasta experiência nesses casos, com diagnósticos raros e bem atípicos. Na FOI, o que mais nos preocupa na condução dos casos é a insegurança da família e do próprio paciente. Geralmente, são pacientes que passam por inúmeros colegas, e já estão inseguros, medrosos e receosos de um diagnóstico grave. Transparecer segurança, interesse, dedicação e paciência são nossas principais chaves. O diagnóstico tem o seu tempo, ora curto, ora longo. Cabe a nós saber conduzir o caso, para que o paciente sinta-se acolhido nesse momento de incertezas.

     Vale ressaltar que, em alguns casos, a febre precisa ser tratada de maneira agressiva e rápida, como no caso do choque séptico (antiga septicemia – termo já não utilizado mais). O médico precisa estar treinado para diferenciar a gravidade do caso e agir com rapidez, segurança e eficiência.

      Resumindo, lembre-se que, ao falarmos que o seu caso trata-se de uma provável virose, saiba que muito estudo e trabalho estão diretamente envolvidos nessa decisão. Como sempre digo, existem bons e maus profissionais, cabe a você reconhecer e valorizar o seu médico. Assim como em qualquer outra situação em saúde, a febre exige confiança e acessibilidade ao seu médico. Desta forma, as chances de definição diagnóstica são bem maiores.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Namorar Faz Bem a Saúde


     Pressão, colesterol, glicose, obesidade, sedentarismo... Hoje acrescento um novo indicador importante de saúde: os relacionamentos afetivos. A qualidade dos nossos relacionamentos está diretamente ligada a saúde. Isso é fato. Pouco abordada nas atuais consultas relâmpago, certamente está ligada a uma grande quantidade de queixas de consultório.

     Ainda não existe trabalho científico, mas, certamente, bons relacionamentos fazem muito bem a saúde. Todos os tipos de relacionamento se encaixam nessa afirmação, mas, devido ao Dia dos Namorados, utilizarei os relacionamentos amorosos como exemplo.

       Os relacionamentos amorosos saudáveis, independente da duração, geram uma sensação de plenitude. O rendimento profissional melhora, o bom humor impera, a tolerância aumenta e o sorriso torna-se fácil. A vida fica mais saudável. A qualidade dos relacionamentos é tão importante quanto o controle da pressão, da glicose, do peso, do tabagismo, do álcool e do colesterol, dentre outros.

       Namoro novo faz emagrecer. Casamento tranquilo, vida tranquila (“Happy Wife, Happy Life”). Família equilibrada faz crescer. O sentimento de um namoro novo é ímpar; a cumplicidade, a segurança e o prazer de um namoro maduro são inquestionáveis. Cada fase, no seu tempo, bem aproveitada, traz aprendizados para a vida toda. Aí, quando dois viram três, quatro, cinco... o sentido da vida se escancara. Nosso umbigo passa, automaticamente, a não ser mais o centro do universo.

       Relacionamento ruim é sinônimo de mais bebida, mais cigarro, mais comida, mais estresse e menos saúde. Cultivar bons relacionamentos e podar os que te fazem mal é o melhor caminho. Praticar a tolerância diariamente, com muita conversa e respeito, são vitais. Namorar por namorar, sem se entregar, é perigoso, principalmente para a outra metade. Nunca brinque com os sentimentos dos outros. Paixão, amor e tesão devem ser sempre pautados pelo respeito. Não quer namorar? Deixe isso muito claro. O relacionamento está ruim? Converse muito. Impossível conversar? Procure ajuda. Existem vários caminhos para solucionar o problema. “Chutar o balde” pode até ser a solução, mas exige muito cuidado.

       Hoje, no Dia dos Namorados, gostaria de homenagear a minha esposa e eterna namorada, Camila. A distância só me traz mais certeza. Digo, sem medo de errar, encontrei a pessoa certa. Nosso relacionamento me faz bem, muito bem. Cresço todos os dias. Conversas, cumplicidade, respeito, tolerância, privacidade, confiança e muito amor são nossos ingredientes. Te amo meu amor, você me completa!

       Obrigado aos leitores do “Divagando em Saúde”, já temos mais de 20.000 acessos!


terça-feira, 5 de junho de 2012

O Prolixo


    Vez por outra, são internados pacientes mais complicados de tratar. Não pela complexidade do caso, mas pelo modo com que eles enxergam o serviço de saúde. Exigentes, ríspidos, desconfiados, imediatistas; enfim, chegam “armados” até os dentes. A grande maioria dos médicos e demais profissionais de saúde fogem desse tipo de paciente ou familiar. A chance de ocorrer algo errado aumenta, exponencialmente, com a falta de jogo de cintura, ou empatia, de ambas as partes.

     Parece brincadeira, mas são desses pacientes e familiares que eu gosto. O desafio de “amansar” as feras é muito custoso, mas é gratificante. Poucos têm paciência e treinamento para perceber as reais necessidades desse tipo de cliente. Na imensa maioria das vezes, o que falta é atenção e vontade de resolver o problema do paciente – digo isso sem medo de errar. Exames demorados, falta de conversa, medicações atrasadas e procedimentos solicitados sem a devida explicação já são mais que suficientes para tirar qualquer um do sério (leia a postagem “O Paciente Chato”).

     Certa vez, internou-se uma paciente com hipercalcemia (aumento dos níveis de cálcio no sangue) para investigação diagnóstica. Inúmeros colegas haviam, simplesmente, se afastado dela, por causa da “chatice”. Nesse caso específico, a senhora era realmente sem educação. Sim, existe paciente mal educado, mas a “chatice” é apenas um mecanismo de defesa.

    Muito bem, do jeito que eu gostava. “Vamos lá amansar a fera...”, pensei inocente. A propedêutica da hipercalcemia exige exames e demora um pouco. Pode significar desde coisas bem simples até graves doenças. Pois então, passávamos no quarto dela todos os dias, duas vezes, eu ou o Renato (que trabalha comigo), junto com os residentes. Zé Olinto, chefe da equipe, não acompanhou esse caso específico. Dificilmente perdemos a paciência com pacientes ou familiares. Quando um perde, o outro sempre consegue contornar a situação.

    Com essa paciente, as coisas estavam mais difíceis que o usual. Apesar da atenção dispensada, ela era muito mal educada, azeda. Entretanto, era questão de honra controlar a situação e resolver o problema dela. Todos os dias eu explicava praticamente a mesma coisa sobre as possibilidades diagnósticas e sobre a necessidade de uma definição para tomarmos a conduta adequada.

     Paciência, tinha de sobra. Quanto ao tempo, fazia questão de deixar a visita por último, até para poder liberar o residente. Não desistiria. Sempre com muita educação e recebendo “patadas” homéricas, continuava explicando tudo detalhadamente, com muita paciência. Durante a corrida usual, o Renato sabia que a prosa era longa e continuava a “corrida de leito”. Geralmente, eu o encontrava uns 5 doentes a frente.

    Em uma quarta feira, estava de plantão no CTI do hospital e o Renato passou nos pacientes. Na quinta, passei novamente e não me esqueci daquela paciente. Cheguei ao quarto e, após as várias perguntas, ainda aguardando alguns exames, expliquei tudo novamente. Terminando, perguntei se restava alguma dúvida. E foi aí que escutei:

-       Dr. Breno, você é muito prolixo. Eu gosto é do Dr. Renato, que é “curto e grosso”.

     Na hora, fiquei meio abobado, tive vontade de xingá-la. Despedi-me,  saí do quarto e me recompus. Claro que perguntei para o Renato o que ele havia faltado para ela no dia anterior.  E essa foi a resposta:

-       O cálcio da senhora está alto no sangue. Estamos procurando a causa, que pode até ser um tumor. Faltam alguns exames e a senhora tem que aguardá-los.

   Renato, com sua experiência, já havia percebido o jeito adequado de tratá-la. Sempre atencioso e com uma paciência de Jó, naquele caso específico, utilizou o jeito correto de transmitir a informação que a paciente precisava ouvir. Ali, aprendi algo que levo comigo. O que é bom para você, não necessariamente é bom para todo mundo. Na medicina, você precisa criar essa sensibilidade para perceber qual a real necessidade do cliente, isso é muito difícil. Inúmeros pacientes não querem detalhes ou informações sobre o seu caso.

     Depois desse episódio, passei a me policiar mais para evitar a prolixidade. Que bom que trabalho em equipe e sigo aprendendo diariamente. Apesar disto, saibam que continuo gostando de cuidar de pacientes e familiares difíceis. O aprendizado é sempre certo.