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terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Paciente Chato

    A sua mãe está internada no primeiro dia após a realização de uma colecistectomia eletiva (retirada da vesícula programada) e você é o acompanhante. No meio da noite sua mãe começa a queixar-se de dor na barriga. Você chama a enfermagem pela campainha. Após longos 13 minutos, a enfermeira vem avaliar sua mãe e fala que vai chamar o médico. Por telefone, sem avaliar sua mãe, o médico solicita a administração de uma dipirona (analgésico). Após 46 minutos da medicação, com uma piora significativa da dor, o médico ainda não veio avaliar sua mãe.  Você...

a)    Aperta a campainha de novo.
b)   Tenta acalmar sua mãe que está gemendo de dor com compressas mornas na barriga.
c)    Educadamente vai ao posto de enfermagem solicitar uma “re”avaliação.
d)   Chega no posto de enfermagem exigindo a presença do médico.

           Após 1 hora e 27 minutos do início dos sintomas, o médico chega para avaliar a sua mãe. Você...

a)    Solta os cachorros para cima dele. “Pago caro e exijo qualidade!”
b)   Pede desculpas pela chateação. Sua mãe realmente é muito manhosa.
c)    Sai do quarto e aguarda a avaliação do médico.
d)   Já achou na internet uma causa para aquela dor.

        Pois bem, isto ocorre frequentemente em ambientes hospitalares pelo mundo afora. Não vou entrar nos méritos de condutas durante esta postagem mas vou discorrer sobre o “Paciente/Familiar Chato”.

          Todos nós já nos deparamos com esta frase: “Nossa, aquele paciente é muito chato!”, muito escutada no dia-a-dia na área de saúde.  O rótulo de “Paciente/Familiar Chato” é muito perigoso e, na maioria das vezes, injusto e incorreto.

         Coloque-se na situação acima. Você se consideraria chato se exigisse uma avaliação médica da sua mãe com mais ímpeto?

         Porque percebemos tanta coisa errada quando estamos internados ou acompanhando alguém que está? Somos chatos ou o sistema é realmente falho e ruim? Já notaram que as coisas erradas acontecem sempre com os pacientes/familiares “chatos”? Por que será?

         A justificativa mais plausível é a seguinte: os pacientes/familiares “chatos” estão, simplesmente, alertando que existe alguma coisa errada acontecendo. Sendo assim, redobre a atenção nestes casos. Antes de rotular um paciente/familiar de “chato”, reveja toda a situação em busca de possíveis falhas. A falta de comunicação é o calcanhar de Aquiles de toda instituição de saúde e a grande culpada pela “chatice”.
           
           Os profissionais de saúde passam a evitar o contato com o paciente/familiar “chato”, aceleram as avaliações, tendem a ser ”secos” e com pouca, ou nenhuma, sensibilidade ao explicar tratamentos e diagnósticos. Estas condutas tendem a agravar a insegurança e a insatisfação que não podem, de maneira alguma, serem confundidas com chatice.

             O que julgo fundamental é o treinamento para se distinguir a chatice real da preocupação natural de um paciente/familiar que encontra-se inseguro. Isto demanda tempo e experiência. O que percebo é o limiar muito baixo dos profissionais de saúde no que se refere à paciência associados à uma completa falta de empatia. Característiscas que certamente diferenciam qualquer profissional em qualquer área.

            A paciência é nutrida por três fatores:

1)           Condições de Trabalho: fornecidas, em parte, pela organização e  desenvolvida pelo próprio profissional através das relações interpessoais no trabalho.
2)          Remuneração Justa: Indispensável! A paciência é diretamente proporcional aos ganhos financeiros. Como já dizia meu pai: “Não existe paciente chato, você que está ganhando pouco!”
3)               Descanso Adequado: sem sombra de dúvida, o melhor nutriente da paciência. Férias regulares, redução da carga de trabalho e o “desligar” (já citado neste blog) são vitais para a manutenção da paciência.

            A empatia é o reconhecimento das emoções das pessoas, colocando-se no seu lugar e avaliando a situação da posição do outro. Empatia é uma característica que pode, e deve, ser treinada e aprimorada. Atrevo-me a dizer que em 95% das vezes (acho que ainda não existem estatísticas sobre o assunto), a “chatice” pode ser revertida utilizando-se a empatia.

            O melhor antídoto contra a “chatice” na saúde é a atenção. Uma boa conversa, sem pressa e com paciência gera a empatia necessária para a continuidade e o sucesso do tratamento. O paciente/familiar sentindo-se seguro, não fica chato. Obviamente esta regra não se aplica à todas as situações mas treinando a empatia e cultivando a paciência, certamente o número de “chatos” ao seu redor se reduzirá bastante.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Os Dez Mandamentos

Após uma “desligada” de 14 dias retorno hoje com uma nova postagem. Pela primeira vez não colocarei um texto de minha autoria. Este artigo, “Os Dez Mandamentos da Prática Médica" foi escrito há 42 anos e nunca ficou ultrapassado. Há 12 anos afixei na porta do meu quarto e sempre procurei ler e seguir ao pé da letra, literalmente. Acho que é uma leitura muito válida, então, vamos lá...


1-  Nada substitui o que se assimila no contato direto com o paciente: uma boa anamnese, um exame físico minuncioso e a perspicácia clínica que resulta da experiência. Disciplina clínica não pode ser aprendida apenas no laboratório ou através de leituras ou palestras.


2-  A boa prática médica é trabalhosa e exige dedicação. Não é possível tratar apressadamente de pessoas doentes obedecendo a horários rígidos. Exponha claramente a realidade ao paciente ou à família, durante o tempo que for necessário.


3-  Seja otimista: muitas doenças são autolimitadas e aliviadas sem muita interferência do médico. O resfriado comum é um bom exemplo, frequentemente tratado de forma exagerada.


4-  SEJA PACIENTE! Um período de observação é, em certas ocasiões, o único caminho para um diagnóstico correto. Não procure impressionar seu doente, ou a si mesmo, com uma quantidade desnecessária de exames complementares.


5-  Não seja por demais erudito. Lembre-se de que as doenças mais comuns ocorrem com maior frequencia: pense nelas primeiramente.


6- Não execute em seu paciente nenhum exame que você não faria em si mesmo ou em seus familiares, em idênticas circunstâncias. Não faça excesso de testes que eventualmente possam expô-lo ao risco de complicações iatrogênicas.


7-    Use novas drogas com cautela: é preferível manejar poucos medicamentos básicos com perícia e segurança do que utilizar os últimos lançamentos do mercado, que ainda não possuem sólida base experimental. Muitas doenças iatrogênicas resultam do uso indiscriminado ou excessivo de drogas, como por exemplo, antibióticos, tranquilizantes, esteróides e antinflamatórios. Por outro lado, é importante considerar o aspecto psicológico dos casos e usar critérios de bom senso. Desse modo, faz também parte da arte médica saber quando tirar proveito do uso de placebo, eficaz em numerosos casos.


8-  Conheça a si mesmo: suas forças e fraquezas. Extraia frutos da insatisfação com seu trabalho. Cultive a curiosidade acerca das doenças, mas trate tão bem o enfermo como a enfermidade. Quando tiver dúvida, procure o auxílio dos mais experientes. Cultive o senso de humor e o verdadeiro sentido de humildade. Não permita que a admiração de seus pacientes influencie seu raciocínio e conduta.


9-  Cultive a discrição quanto a nomes e doenças perante familiares e amigos dos pacientes.


10- Retire sempre uma lição a partir dos erros; errar ocasionalmente é humano, mas cada erro deverá transformar-se em aprendizado e obviamente jamais ser repetido.


            Esta postagem é uma homenagem a Sra. Anna de Oliveira Mello, minha paciente, que nos deixou no dia 18 e que, infelizmente, não pude estar ao seu lado na despedida. O carinho que tínhamos um pelo outro vai ficar para sempre na minha memória. Meus mais sinceros sentimentos à todos os familiares, em especial, Leníria e Glória.


Extraído do artigo: Ten Commandments of Clinical Medicine – Arch. Otolary, 1969; 90(1):2-3

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Desligar é Preciso

Desligar das atividades profissionais é uma das ferramentas mais potentes para aumentar o rendimento no trabalho. O velho ditado já dizia que quem trabalha muito não tem tempo de ganhar dinheiro. Na verdade, o indivíduo que consegue se desligar passa a perceber novas oportunidades. A analogia é a de um meio campo de um time de futebol jogando de cabeça baixa. Jogando desta forma raramente enxerga-se a melhor opção. O profissional que vive apenas em função do trabalho torna-se um robô, apenas executa o serviço, não produz valor.

Não raro conhecemos inovações desenvolvidas a partir de observações de outras áreas. A criação dos parques tecnológicos baseia-se nesse princípio. Unir áreas totalmente diferentes com idéias e processos que podem se encaixar. O caminho mais curto e adequado para diversas situações cotidianas, geralmente, já existe em outros setores, basta adaptá-los.

Tire férias. Indiscutivelmente o melhor combustível para a inovação. Não apenas na criação de novas idéias como no poder de execução das mesmas. As férias devem ser utilizadas para se conhecer novas culturas e expandir conhecimentos. Jamais "venda" suas férias. Tenha certeza que o "ócio" vale muito mais financeiramente.

Cultive um hobby. Aprenda a tocar um instrumento, a cozinhar, a falar outra língua, a degustar um bom vinho ou a fazer sua própria cerveja. Utilize características deste aprendizado no seu dia-a-dia profissional. Paciência, disciplina e sensibilidade na execução do hobby podem ser de grande valia no seu ambiente profissional.

Amplie seu círculo de amizades. Amigos do emprego não contam. As novas relações interpessoais que acontecem fora do ambiente de trabalho sempre ajudam bastante. Todos sabemos o poder de um contato bem feito. Portas novas se abrem, parcerias se consolidam e o crescimento profissional vem junto. Retomar velhas amizades e conhecer melhor aqueles que já estão perto de você também têm um resultado surpreendente.

Viaje sempre que possível. Sem dúvida, um dos melhores investimentos. Rende muito mais que a bolsa de valores ou a previdência privada. Não desvalorizando, de maneira alguma, o planejamento da aposentadoria, muito pelo contrário. Viajar areja a alma, melhora a saúde e cria casos eternos.

Aprenda a dizer não. Recusar propostas e se desligar de alguns serviços pode ser o início de um crescimento mais ordenado. Descartar falsas "boas" oportunidades podem te deixar mais disponível para as verdadeiras.

Apesar da super produção científica mundial, não são duas semanas, ou três, que irão desatualizá-lo. Caso você se desligue por um período maior, fique tranquilo, pois as boas descobertas já virão testadas.

O desligar possibilita a vivência de momentos únicos, efêmeros e de valor incalculável. Brincar com seu filho, vê-lo crescer e participar ativamente das suas descobertas é muito mais importante que alguns milhares de reais a mais na velhice.

Caso você ainda não tenha enxergado ou praticado o "desligar", experimente. Cultive isto na sua vida e dentro da sua empresa. Melhora-se a satisfação e a produção. Trabalhar menos pode ser a chave para se ganhar mais.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ode à Residência Médica


Espécie rara, bicho estranho
Aprende e reclama junto
Promove atualização permanente
Lubrificantes da instituição

Excelência exige residência
Uma responsabilidade institucional
Permuta conhecimento por trabalho
Gera perenidade nas equipes

Aprende muito
O que fazer
Como não se fazer
Aprende ensinando

Sem residência tudo fica mais difícil
Procurar lá fora o que pode ser criado aqui dentro
Molde de profissionais à semelhança da instituição
Equipe forte é a que cria seus membros

Passa um aperto, faz prescrição
Chora escondido, dá um plantão
Problemas, um montão
Imprescindível para a instituição

Não existe residência sem plantão
Sem estresse ou sem sacrifício
Saída da zona de conforto
Entrada no mundo real

Conhece a realidade
Impostos, dia-a-dia, muitas limitações
Torce para acabar no meio
Agradece no final

Custo benefício indiscutível
Não enxergam os míopes da gestão
Quem dera se tivesse para todos
Ah, se todos enxergassem esse filão

Ansiedade para adquirir em poucos anos
O conhecimento que não se finda em uma vida
Aproveitar todos os bons seria o ideal
Infelizmente, doamos capacidade excepcional

Perpetuar idéias
Dar exemplo
Oferecer oportunidades
Fazer crescer crescendo


           Esta foi uma forma que encontrei de defender a residência e a especialização médica nas grandes instituições. Homenagem à todos os meus residentes e especializandos. Tenham a certeza que aprendi mais que ensinei.