Quem sou eu

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Comunicação Perigosa

QP,  HMA, AE, HP
BEG, RCR, SS, MVF
ACV, AD, AL, AGU
CVL, BAL, MAPA, TE

DPOC, BIPAP, VNI, ATB
IRpA, TOT, VM, TQT
ALI, SARA, TVP, TEP
CTI, PIA, PVC, BH

HAS, ICo, IAM, PCR
AAS, ICC, BIA, PTCA
CAT, CX, DA, CD
ECO, FEVE, IAo, IM

IRA, AINE, IRC, HD
ITU, SVA, LECO, UTL
US, PSA, RTU, SVD
ESBL, MRSA, BGN, CGP

TV, AESP, TPSV, FV
FA, BAV, EAP, ECG
TCC, HSAE, ACM, PIC
POI, NDN...


      Não entendeu nada? Comece a ler a partir daqui...

     Poderia encher cem páginas de siglas relacionadas a área de saúde. Na verdade apenas peguei algumas de um passômetro do Centro de Terapia Intensiva. Caso você tenha entendido algumas, não se ache bom por isso. Você pode achar que sabe o significado e isso pode ser perigoso. Exemplificando, o que significa PCR? Ninguém é obrigado a saber o  significado de uma sigla. Na sua maioria, inventadas de cabeças nem um pouco criativas e até preguiçosas. Tenho certeza que muitas delas são iguais as utilizadas em outros setores.

     Na era do excesso virtual, da carência afetiva real, das redes sociais e da informação fácil e banalizada, a comunicação continua sendo o maior problema dentro dos hospitais e das grandes corporações. Ao invés de tentar facilitar a comunicação, o excesso de siglas complica ainda mais a transmissão das informações.

     Se nem os médicos entendem todas as siglas, imaginem os demais profissionais envolvidos. A falha de comunicação, na passagem de informações, é um veneno em qualquer processo. Fonte inesgotável de erros totalmente evitáveis. Sigla é um risco constante se todos os envolvidos não souberem o seu significado na ponta da língua.

     As siglas não são exclusividade da área de saúde. Elas são universais. Realmente não entendo porque os seres humanos gostam tanto delas. Preguiça? Economia de tempo? Sei lá. Basta criar uma empresa, entidade ou projeto que logo elas surgem imponentes mas nada criativas.

     Menos siglas e mais informação com qualidade, essa é a proposta e o caminho correto. Impossível extingui-las mas utilizar, de maneira educada, seria muito mais seguro. Em relação a minha pergunta no início do texto, vamos as respostas: PCR pode ser Parada Cardio Respiratória, Reação em Cadeia da Polimerase, Proteína C Reativa e até Projeto Creche das Rosinhas. E aí? Acertou? Vamos valorizar a qualidade na passagem das informações, a segurança dos nossos pacientes agradece!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O Suspiro da Morte

     Todos aqueles que cuidam de pacientes graves já vivenciaram uma situação semelhante. Paciente grave, sem nenhuma perspectiva de cura, onde a medicina passa a exercer o seu mais nobre valor: o de confortar. Mesmo diante da impotência escancarada, o médico de verdade continua ali, ao lado do paciente e da família, até o derradeiro suspiro.

            Após todo o desengano, agônico e sem nenhuma resposta consciente, eis que de repente ocorre uma melhora significativa e inexplicada. Milagre? Cura? O que aconteceu? Aqueles mais vividos conhecem bem o suspiro da morte.

           O paciente terminal, extremamente grave, sem nenhuma explicação científica, arranja forças para melhorar sua condição clínica temporariamente. Quase sempre, antecedendo o desfecho fatal. Volta a conversar, interage com os familiares, alimenta-se um pouco melhor, aguarda a chegada de um ente querido e, literalmente, despede-se da família e dos amigos pouco antes de evoluir para o óbito.

         Jamais li nada a respeito, mas já vivenciei inúmeros casos. A impressão é que o paciente busca o último fôlego de energia para se despedir.

      Ontem assisti o filme “Os Descendentes”, concorrente ao Oscar, e achei muito interessante. A maneira com que a morte, um tema tão difícil, é abordada, me chamou a atenção. Suave, transparente e até gentil, nos faz pensar e repensar nos reais valores da vida. Recomendo.

         Não recrimino ou desfaço de nenhuma forma de se enxergar o mundo. Simplesmente noto a nossa medicina alopática um pouco seca demais. A imensa maioria dos colegas não valoriza o poder dos sentimentos, da atenção. Existem inúmeras condições inexplicáveis pela medicina tradicional. Não se deve podar as esperanças e as crenças das pessoas e nem duvidar da força de vontade do ser humano. Tenho convicção que são tão importantes, ou mais, que muitos dos nossos remédios.

            Como sempre, o equilíbrio é indispensável. Não acho que pneumonia se trata com reza. A fé, sem dúvida nenhuma, é importante. Não adianta prescrever o remédio certo se o paciente não confia. A receita vai para o lixo. O suspiro da morte não é regra; a presença do médico, ao lado do paciente e da família é.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Ressaca e Carnaval

“Acordei e minha cabeça parecia um bate estaca. A dor era absurda. Não lembrava de nada da noite passada. Além do corpo dolorido e da boca seca com gosto de cabo de guarda chuva, meu estômago queimava e parecia querer sair pela boca. Tentava dormir, não conseguia. Tentava levantar, faltava-me força. Após uma salivação intensa, vomitei copiosamente. Veio um certo alívio. Naquele momento, prometi que nunca mais ia beber daquele jeito.”

Identificou-se com o relato acima? Quem nunca passou por uma ressaca? Solidão, alegria, vitória do time do coração, happy hour, estresse, merecimento, tudo é motivo para errar a mão na bebida. Aproveitando o ensejo do carnaval que se aproxima, resolvi discorrer sobre o tema.

A ressaca é conhecida cientificamente como veisalgia, nome originário da palavra norueguesa KVEIS (“mal estar depois da orgia”) e da palavra grega ALGIA (“dor”), ou seja, dor e mal estar depois da orgia.

A ressaca existe há pelo menos 10.000 anos, desde que começamos a fabricar cerveja e vinho. Existem relatos de egípcios e gregos, além do Antigo Testamento, que já citavam os efeitos da libação alcoólica no organismo. Entretanto, foi a partir do século XIX, quando passamos a produzir bebidas mais alcoólicas, que a ressaca passou a fazer parte do nosso cotidiano. Apesar da enorme prevalência mundial, essa condição não é muito compreendida cientificamente.

Imagine se não houvesse a ressaca? A ingestão excessiva de bebidas alcoólicas intoxica o organismo, que precisa eliminar o etanol. O exagero no consumo pode ocasionar desde uma simples ressaca até a morte. A ressaca nada mais é que o organismo tentando se recompor após a agressão sofrida no dia anterior.

A ressaca caracteriza-se por sintomas físicos e mentais muito desconfortáveis, dentre eles: desidratação, cefaléia, vômitos, diarréia, gases, fraqueza, elevação da temperatura corporal e da frequência cardíaca, sialorréia (aumento da salivação), sudorese, ansiedade, irritabilidade, hipersensibilidade a luz e ao barulho, tremores e mau hálito. Além dos sintomas físicos, a famosa ressaca moral, as vezes, é muito pior.

Os sintomas variam muito de pessoa para pessoa, com a quantidade e com a qualidade da bebida ingerida. Geralmente os sintomas iniciam-se quando os níveis de álcool no organismo começam a cair e atingem o seu ápice quando esses níveis chegam a zero. A ressaca pode durar até 24 horas.

Existem vários fatores que estão ligados a ressaca, dentre eles:
- Efeitos diretos do álcool no organismo (desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos, alterações gastrointestinais, queda da glicemia, distúrbios do sono e do ritmo biológico);
- Abstinência alcoólica;
- O metabolismo do álcool (toxicidade do acetaldeído);
- Efeitos não relacionados ao álcool (outros compostos associados nas bebidas, uso concomitante de outras drogas – nicotina é a mais prevalente –, a personalidade do indivíduo e a história familiar de alcoolismo).

Inúmeros tratamentos são descritos para prevenção e redução da duração e da intensidade dos sintomas, porém, poucos têm embasamento científico. O melhor remédio para a ressaca é o tempo. Assim como inúmeras doenças descritas na medicina, a ressaca é autolimitada, na grande maioria das vezes, ou seja, vai se curar sozinha. Daí, a eficácia daquele chazinho que sua avó já utilizava e das outras tantas receitas de sucesso descritas por aí.

As medicações utilizadas antes e depois da bebedeira são perigosas. O ácido acetilsalicílico (AAS ou aspirina), amplamente divulgado em mídia, em associação com o álcool, pode ocasionar irritação gástrica, inclusive com sangramentos graves. O acetaminofeno (paracetamol) que, assim como o álcool, também é tóxico ao fígado e pode causar complicações.

Rebater a ressaca bebendo novamente apenas vai postergar os sintomas, além, é óbvio, de expor seu organismo ao risco da ingestão descontrolada. A melhor alternativa para curar a ressaca é dormir bastante e hidratar-se bem. Lembre-se que a hepatite alcoólica e a pancreatite aguda podem levar o indivíduo a morte.

A ingestão de água durante a bebedeira diminui a ressaca porque você vai ingerir menos álcool, além de evitar a desidratação. A alimentação antes e durante a bebedeira vai diminuir a ressaca porque a absorção do álcool vai ser menor. Concluindo, o melhor jeito de prevenir a ressaca é ingerindo menos ou absorvendo menos álcool. A dica é beber com moderação ou não beber se você não consegue beber com moderação.


Bibliografia Auxiliar:
http://pubs.niaaa.nih.gov/publications/arh22-1/54-60.pdf

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Banho de Empatia


     “Estava morrendo de frio, o ar condicionado ligado e eu ali deitado em uma cama do CTI, só com uma fralda e um cobertor esgarçado. Havia operado de "nó na tripa" há dois dias. Minha barriga quase explodiu. Ficara uma semana sem obrar e cheguei no hospital quase desfalecendo. O médico nem me olhou direito e já me levou direto para o bloco de operação. Disse que eu tinha septicemia e que se não me operasse eu morreria. Logo eu, que nunca tinha ido no médico. Graças a Deus e ao Dr. Cirurgião, me salvei. Após a cirurgia lá estava eu no CTI.

     Já estava acordado e lúcido, mas não me deixaram ir para a enfermaria por causa de uma tal de acidose. Os médicos ainda precisavam me dar muito soro e acharam mais seguro me manter no CTI. Meu xixi, esmirrado e amarelão, saía por uma sonda que ardia demais. Dor até que eu não estava sentindo muito. O corte da cirurgia já estava bem sequinho.

     De repente, entra a enfermeira... "Bom dia Sr. Xisto! Está na hora do banho!" Não sei de onde ela tirava aquela empolgação. Tubo na goela, sonda, dor, frio, barulho, nada disso me dá tanta agonia quanto a lembrança do tal banho de leito. Como não podia sair da cama, as enfermeiras me davam o banho lá mesmo. Quem já passou por essa desgraça sabe bem do que estou falando. Os que nunca tomaram o "banho de gato" do hospital, não queiram. Sem dúvida, a pior experiência que já passei. Aos 83 anos não pensei que tivesse que passar por aquilo. Tinha até escapado do famoso exame do dedão, mas daquele banho desmoralizante não teve jeito.

     Primeiro tiravam minha roupa sem cerimônia nenhuma. Lá estava eu, pelado, com frio e completamente impotente diante das enfermeiras. Ainda mais eu, que só tinha ficado pelado na frente da minha esposa e, mesmo assim, na meia luz. Apesar da água esquentada, o frio era terrível. Elas conversavam sobre a novela, os filhos e até das paqueras enquanto lavavam minha poupança. Utilizavam uma compressa para limpar tudo, literalmente. Ali eu percebi o quão frágil eu era. Após o término eu já estava sofrendo com o possível banho no dia seguinte. Tomar um banho direito e sozinho era o que eu mais queria durante minha estadia no CTI. Tenho apenas um conselho para vocês, profissionais de saúde: nunca se esqueçam que ali existe um ser humano que pensa, morrendo de medo de morrer, ansioso, frágil e que sofre assim como você.”

     O hospital é um local de trabalho como qualquer outro. A criação de um bom ambiente entre os profissionais vale também para as instituições de saúde. Trabalhamos com pessoas frágeis em momentos, muitas vezes, delicados. Muitas vezes esquecemos que estamos lidando com pessoas. Talvez para aliviarmos a tensão natural do ambiente hospitalar, brincamos uns com os outros, falamos alto e esquecemos que o nosso cliente está logo ali e, geralmente, muito sensível. Comer após ver uma ferida horrorosa, achar uma escara bonita, acostumar com os cheiros, tudo passa a ser normal.

     Precisamos nos policiar dentro dos hospitais constantemente. Isso é função de todos os colaboradores juntos. O bom humor é muito bem vindo, a falta de empatia não. Colocar-se na situação do paciente ou dos familiares e identificar seus sentimentos caracterizam a empatia. Empatia é a característica mais importante de qualquer prestador de serviço. O melhor jeito de aprender é virar paciente. Pergunte para algum colega que precisou se internar um dia. Treine a empatia diariamente, ou então, tome um banho de leito!