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terça-feira, 5 de junho de 2012

O Prolixo


    Vez por outra, são internados pacientes mais complicados de tratar. Não pela complexidade do caso, mas pelo modo com que eles enxergam o serviço de saúde. Exigentes, ríspidos, desconfiados, imediatistas; enfim, chegam “armados” até os dentes. A grande maioria dos médicos e demais profissionais de saúde fogem desse tipo de paciente ou familiar. A chance de ocorrer algo errado aumenta, exponencialmente, com a falta de jogo de cintura, ou empatia, de ambas as partes.

     Parece brincadeira, mas são desses pacientes e familiares que eu gosto. O desafio de “amansar” as feras é muito custoso, mas é gratificante. Poucos têm paciência e treinamento para perceber as reais necessidades desse tipo de cliente. Na imensa maioria das vezes, o que falta é atenção e vontade de resolver o problema do paciente – digo isso sem medo de errar. Exames demorados, falta de conversa, medicações atrasadas e procedimentos solicitados sem a devida explicação já são mais que suficientes para tirar qualquer um do sério (leia a postagem “O Paciente Chato”).

     Certa vez, internou-se uma paciente com hipercalcemia (aumento dos níveis de cálcio no sangue) para investigação diagnóstica. Inúmeros colegas haviam, simplesmente, se afastado dela, por causa da “chatice”. Nesse caso específico, a senhora era realmente sem educação. Sim, existe paciente mal educado, mas a “chatice” é apenas um mecanismo de defesa.

    Muito bem, do jeito que eu gostava. “Vamos lá amansar a fera...”, pensei inocente. A propedêutica da hipercalcemia exige exames e demora um pouco. Pode significar desde coisas bem simples até graves doenças. Pois então, passávamos no quarto dela todos os dias, duas vezes, eu ou o Renato (que trabalha comigo), junto com os residentes. Zé Olinto, chefe da equipe, não acompanhou esse caso específico. Dificilmente perdemos a paciência com pacientes ou familiares. Quando um perde, o outro sempre consegue contornar a situação.

    Com essa paciente, as coisas estavam mais difíceis que o usual. Apesar da atenção dispensada, ela era muito mal educada, azeda. Entretanto, era questão de honra controlar a situação e resolver o problema dela. Todos os dias eu explicava praticamente a mesma coisa sobre as possibilidades diagnósticas e sobre a necessidade de uma definição para tomarmos a conduta adequada.

     Paciência, tinha de sobra. Quanto ao tempo, fazia questão de deixar a visita por último, até para poder liberar o residente. Não desistiria. Sempre com muita educação e recebendo “patadas” homéricas, continuava explicando tudo detalhadamente, com muita paciência. Durante a corrida usual, o Renato sabia que a prosa era longa e continuava a “corrida de leito”. Geralmente, eu o encontrava uns 5 doentes a frente.

    Em uma quarta feira, estava de plantão no CTI do hospital e o Renato passou nos pacientes. Na quinta, passei novamente e não me esqueci daquela paciente. Cheguei ao quarto e, após as várias perguntas, ainda aguardando alguns exames, expliquei tudo novamente. Terminando, perguntei se restava alguma dúvida. E foi aí que escutei:

-       Dr. Breno, você é muito prolixo. Eu gosto é do Dr. Renato, que é “curto e grosso”.

     Na hora, fiquei meio abobado, tive vontade de xingá-la. Despedi-me,  saí do quarto e me recompus. Claro que perguntei para o Renato o que ele havia faltado para ela no dia anterior.  E essa foi a resposta:

-       O cálcio da senhora está alto no sangue. Estamos procurando a causa, que pode até ser um tumor. Faltam alguns exames e a senhora tem que aguardá-los.

   Renato, com sua experiência, já havia percebido o jeito adequado de tratá-la. Sempre atencioso e com uma paciência de Jó, naquele caso específico, utilizou o jeito correto de transmitir a informação que a paciente precisava ouvir. Ali, aprendi algo que levo comigo. O que é bom para você, não necessariamente é bom para todo mundo. Na medicina, você precisa criar essa sensibilidade para perceber qual a real necessidade do cliente, isso é muito difícil. Inúmeros pacientes não querem detalhes ou informações sobre o seu caso.

     Depois desse episódio, passei a me policiar mais para evitar a prolixidade. Que bom que trabalho em equipe e sigo aprendendo diariamente. Apesar disto, saibam que continuo gostando de cuidar de pacientes e familiares difíceis. O aprendizado é sempre certo.

Um comentário:

  1. Moço estamos em 2014 e ao ler seu texto ele se encaixou como uma luva, não sou médica mas também lido com diagnósticos, porém no mundo da TI e vou tentar levar para o meu dia a dia a sua experiência com a paciente "tosca" e seu amigo Renato com sua sensibilidade clínica.

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