Vez por outra, são internados pacientes mais complicados de
tratar. Não pela complexidade do caso, mas pelo modo com que eles enxergam o
serviço de saúde. Exigentes, ríspidos, desconfiados, imediatistas; enfim,
chegam “armados” até os dentes. A grande maioria dos médicos e demais
profissionais de saúde fogem desse tipo de paciente ou familiar. A chance de
ocorrer algo errado aumenta, exponencialmente, com a falta de jogo de cintura,
ou empatia, de ambas as partes.
Parece brincadeira, mas são desses pacientes e
familiares que eu gosto. O desafio de “amansar” as feras é muito custoso, mas é
gratificante. Poucos têm paciência e treinamento para perceber as reais
necessidades desse tipo de cliente. Na imensa maioria das vezes, o que falta é
atenção e vontade de resolver o problema do paciente – digo isso sem medo de
errar. Exames demorados, falta de conversa, medicações atrasadas e
procedimentos solicitados sem a devida explicação já são mais que suficientes
para tirar qualquer um do sério (leia a postagem “O Paciente Chato”).
Certa vez, internou-se uma paciente com
hipercalcemia (aumento dos níveis de cálcio no sangue) para investigação
diagnóstica. Inúmeros colegas haviam, simplesmente, se afastado dela, por causa
da “chatice”. Nesse caso específico, a senhora era realmente sem educação. Sim,
existe paciente mal educado, mas a “chatice” é apenas um mecanismo de defesa.
Muito bem, do jeito que eu gostava. “Vamos lá
amansar a fera...”, pensei inocente. A propedêutica da hipercalcemia exige
exames e demora um pouco. Pode significar desde coisas bem simples até graves
doenças. Pois então, passávamos no quarto dela todos os dias, duas vezes, eu ou
o Renato (que trabalha comigo), junto com os residentes. Zé Olinto, chefe da
equipe, não acompanhou esse caso específico. Dificilmente perdemos a paciência
com pacientes ou familiares. Quando um perde, o outro sempre consegue contornar
a situação.
Com essa paciente, as coisas estavam mais difíceis
que o usual. Apesar da atenção dispensada, ela era muito mal educada, azeda.
Entretanto, era questão de honra controlar a situação e resolver o problema
dela. Todos os dias eu explicava praticamente a mesma coisa sobre as possibilidades
diagnósticas e sobre a necessidade de uma definição para tomarmos a conduta
adequada.
Paciência, tinha de sobra. Quanto ao tempo, fazia
questão de deixar a visita por último, até para poder liberar o residente. Não desistiria.
Sempre com muita educação e recebendo “patadas” homéricas, continuava
explicando tudo detalhadamente, com muita paciência. Durante a corrida usual, o
Renato sabia que a prosa era longa e continuava a “corrida de leito”.
Geralmente, eu o encontrava uns 5 doentes a frente.
Em uma quarta feira, estava de plantão no CTI do
hospital e o Renato passou nos pacientes. Na quinta, passei novamente e não me
esqueci daquela paciente. Cheguei ao quarto e, após as várias perguntas, ainda aguardando
alguns exames, expliquei tudo novamente. Terminando, perguntei se restava
alguma dúvida. E foi aí que escutei:
-
Dr. Breno, você é muito prolixo. Eu gosto é do
Dr. Renato, que é “curto e grosso”.
Na hora, fiquei meio abobado, tive vontade de xingá-la. Despedi-me, saí do
quarto e me recompus. Claro que perguntei para o
Renato o que ele havia faltado para ela no dia anterior. E essa foi a resposta:
-
O cálcio da senhora está alto no sangue. Estamos
procurando a causa, que pode até ser um tumor. Faltam alguns exames e a senhora
tem que aguardá-los.
Renato, com sua experiência, já havia percebido o
jeito adequado de tratá-la. Sempre atencioso e com uma paciência de Jó, naquele
caso específico, utilizou o jeito correto de transmitir a informação que a paciente
precisava ouvir. Ali, aprendi algo que levo comigo. O que é bom para você, não
necessariamente é bom para todo mundo. Na medicina, você precisa criar essa
sensibilidade para perceber qual a real necessidade do cliente, isso é muito
difícil. Inúmeros pacientes não querem detalhes ou informações sobre o seu caso.
Depois desse episódio, passei a me policiar mais
para evitar a prolixidade. Que bom que trabalho em equipe e sigo aprendendo
diariamente. Apesar disto, saibam que continuo gostando de cuidar de pacientes
e familiares difíceis. O aprendizado é sempre certo.
Moço estamos em 2014 e ao ler seu texto ele se encaixou como uma luva, não sou médica mas também lido com diagnósticos, porém no mundo da TI e vou tentar levar para o meu dia a dia a sua experiência com a paciente "tosca" e seu amigo Renato com sua sensibilidade clínica.
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