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terça-feira, 17 de abril de 2012

Vias de Parto

     A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda uma taxa de 15% de cesareanas nos partos realizados no mundo. Em 2010, o Brasil chegou a 52% de cesáreas, sendo o ano da inversão das taxas. Na rede pública (SUS) essa taxa é de, aproximadamente, 37% e, na rede privada, chega-se ao patamar de 82%. Em alguns serviços privados, a taxa já está se aproximando dos 100%!! Realmente, no nosso dia-a-dia nota-se que o parto normal (ou vaginal) vem se tornando uma raridade.

     O Brasil está atravessando uma mudança cultural em relação a via do parto. Não quero entrar no mérito da questão, que possui defensores convictos dos dois lados. Cada um dos procedimentos possui vantagens, desvantagens e seus riscos inerentes. Gostaria apenas de discutir essa mudança de comportamento. Raro presenciarmos este tipo de mudança, que geralmente é muito lenta; entretanto, na era da informação (muita quantidade e pouca qualidade), isso tornou-se visível. No futuro, vou dizer que nasci de parto normal e vai ser um absurdo!

     Quando decidimos mudar uma conduta ou prática já rotineira, nos pautamos em alguns fatores:

1.    É mais eficiente
2.    É mais confortável
3.    É mais barato
4.    É mais seguro
5.    Todo mundo está fazendo assim
6.    O melhor do mundo faz assim
7.    A estatística mostra que é melhor
8.    Eu estou afim de fazer assim a partir de agora

     Os argumentos, na maioria das vezes, são legítimos, mas não possuem embasamento científico algum. Cientificamente falando, a alternativa 1 pode ser absolutamente igual a 8. Isso é fato. Depois da medicina baseada em evidência, ao contrário do que parece, ficou muito mais difícil provar algo sem questionamentos. Além disso, geralmente a verdade é muito duvidosa e recheada de segundas intenções. Em medicina, onde as variáveis são infinitas, a definição de certo ou errado é muito complicada.

    Antigamente, as condutas eram baseadas em crendices, experiências passadas, suposições, poder da maioria, imposição dos mais fortes e na opinião dos especialistas. É... analisando friamente, acho que não mudou muita coisa não.

      Não sou a favor das cesáreas eletivas, mas isso já é uma realidade que deve ser respeitada. Os riscos são maiores? Depende do ponto de vista. Nossa sociedade muda frequentemente para alternativas piores e os discursos de defesa e oposição são sempre muito semelhantes entre os temas. Sempre teremos os saudosistas que acharão as condutas antigas melhores, os "do contra" que vão morrer discordando, os "vira-folhas" que vão mudar de opinião várias vezes, e aqueles que, de tão convictos da eficiência da nova prática, abandonam as antigas com uma facilidade impressionante. Rimos bastante das condutas do passado, e nossos descendentes, com plena certeza, rirão muito das nossas.

      Minha única preocupação é que os obstetras formados hoje não estão mais aprendendo a conduzir partos vaginais. O mercado não está oferecendo essa opção. Infelizmente, em breve, não será possível optar pelo parto normal. Hoje, a mulher que ainda opta pelo parto vaginal já é considerada uma corajosa. Pelas amigas e pelos próprios médicos! É isso que dói, uma conduta sabidamente adequada e segura ser abandonada como inútil ao longo dos anos. Divagando um pouco mais, quem sabe, em um futuro próximo, seja bacana voltar a ter parto normal.

    Independente da via do parto, vale lembrar que a dificuldade maior inicia-se após o nascimento. Ensinar bons princípios, dar o exemplo e não deixar o filho ser criado só pela babá são desafios bem maiores...

     Quando a episiotomia assusta mais que a cicatriz de uma cesárea, os valores já se inverteram, mudaram. Não adianta ficar discutindo ou brigando. Hoje em dia, cirurgia assusta muito pouco, vide as cirurgias plásticas. A ausência do medo promove uma banalização perigosa.

     No futuro, utilizaremos algumas expressões para nos referirmos a coisas antigas ou ultrapassadas, tais como: mais antigo que serra... mais velho que guaraná de rolha... isso é de mil novecentos e Kafunga... mais antigo que andar para frente... isso é da época que o colo do útero dilatava...



Alguns dados científicos...

Frequência por 10.000 nascimentos

Parto Normal sem Complicações
Parto Normal Complicado    (ex: fórceps)
Cesárea Eletiva
Cesárea em Trabalho de Parto
Hemorragias Cerebrais
2.9
8.0
4.1
7.4
Convulsões
6.4
11.7
8.6
21.3
Depressão Neurológica
3.1
9.2
6.7
9.6
Dificuldade de Amamentação
68.5
72.1
106.3
117.2
Problemas Respiratórios
25.8
39.1
71.3
103.2
Fonte: UpToDate

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