Quem sou eu

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Papai Ganhou na Loteria

CENA 1
25 de agosto de 2011, quinta-feira, Belo Horizonte
07:00
Papai, 66 anos, acorda, se espreguiça, assenta-se na cama, pega o seu “tablet” no criado ao lado e deixa seu óculos cair no chão. Ao tentar pegar o óculos, cai no chão com todo o lado esquerdo do corpo paralisado. Escuto o barulho da queda e vou ao seu encontro.
07:04
Aciono o serviço de emergência.
07:29
A ambulância chega. Papai segue com o lado esquerdo todo paralisado mas responde tudo e respira sem dificuldades.
08:01 
Chegamos ao Pronto-Socorro
08:27
Avaliado pelo médico do Pronto-Socorro que suspeita de um acidente vascular cerebral (AVC). Papai segue estável mas hemiplégico à esquerda. O médico solicita uma avaliação do neurologista.
09:41
Após avaliar alguns pacientes na enfermaria o neurologista chega, avalia  o papai e solicita uma tomografia cerebral (TC) na urgência. Suspeita de um AVC isquêmico. Pede a enfermeira para lhe avisar após a realização do exame. Vai para a enfermaria avaliar um paciente com crise convulsiva.
10:22
Papai faz a tomografia.
10:41
A enfermeira comunica o neurologista que a tomografia foi realizada. Ele está levando um paciente para o CTI.
11:38
O neurologista avalia a TC que não mostra hemorragias. O diagnóstico de AVC isquêmico é fechado.
11:42
O neurologista comunica a família sobre o diagnóstico, inicia AAS e clopidogrel. Contra-indica qualquer procedimento, principalmente o trombolítico, já que se passaram 4 horas e 42 minutos do ocorrido. Solicita a internação.
26 de agosto de 2011, sexta-feira
04:07
Papai ainda está no Pronto-Socorro aguardando vaga na internação. A enfermeira nota que papai parou de responder ao chamado. Ele é avaliado  prontamente pelo médico da emergência que o encaminha para o CTI. Felizmente tinha vaga.
05:02
Papai é intubado no CTI.
16 de setembro de 2011, sexta-feira
10:23
Após 21 dias de CTI, papai recebe alta traqueostomizado, sem manter contato efetivo e com sonda nasoentérica.
3 de Outubro de 2011, segunda-feira
11:23
Papai recebe alta hospitalar após 38 dias de internação. Hemiplégico, mantem contato com dificuldade e já com gastrostomia. A casa foi adaptada e papai segue sua rotina de fisioterapia e reabilitação. Infelizmente não voltará a trabalhar.
CENA 2
25 de agosto de 2011, quinta-feira, Belo Horizonte
07:00
Papai, 66 anos, acorda, se espreguiça, assenta-se na cama, pega o seu “tablet” no criado ao lado e deixa seu óculos cair no chão. Ao tentar pegar o óculos, cai no chão com todo o lado esquerdo do corpo paralisado. Escuto o barulho da queda e vou ao seu encontro.
07:04
Aciono o serviço de emergência. Converso com um médico pelo telefone. A suspeita é que papai esteja tendo um  AVC.
07:07
A vaga no CTI é confirmada.
07:08
O Neurointervencionista é acionado e vai para o hospital.
07:29
A ambulância chega.
08:01
Papai chega ao hospital e é encaminhado diretamente para a tomografia após breve avaliação médica.
08:11
Tomografia sem sinais de hemorragia. Diagnóstico de AVC isquêmico confirmado.
08:16
Realiza-se uma angiotomografia cerebral que confirma a obstrução da Artéria Cerebral Média (ACM) direita.
08:41
Já na hemodinâmica, visualizado grande trombo obstruindo a ACM direita. Realizada a retirada do trombo pelo mesmo acesso do cateterismo (trombectomia endovascular - veja o procedimento aqui) com sucesso. O fluxo cerebral é completamente reestabelecido.
09:21
Papai chega ao CTI e é mantido sedado até a tomografia de controle.
15:36
Tomografia cerebral praticamente normal. Retirada a sedação.
26 de Agosto de 2011, sexta-feira
01:21
Papai é extubado no CTI sem déficits neurológicos.
27 de Agosto de 2011, sábado
09:11
Chega ao quarto onde toma banho sozinho e encontra-se sem déficits neurológicos.
31 de Agosto de 2011, quarta-feira
10:02
Recebe alta do hospital após 6 dias de internação. Em 10 dias retorna ao trabalho e segue sua vida normal.
  Este caso realmente aconteceu com o meu pai e, felizmente, o que aconteceu foi a Cena 2. A Cena 1 é a rotina na grande maioria dos serviços de urgência do mundo. O problema não está nas pessoas e sim, nos processos de atendimento destes pacientes nos hospitais. Devido a uma conjunção impressionante de fatos, meu pai recebeu um atendimento que é mais raro de acontecer que ganhar na megasena acumulada seis vezes seguidas. Tudo, felizmente, conspirou a favor. O fato de eu estar em casa, ser médico, trabalhar em um hospital de ponta com todos os recursos que a medicina oferece, ter vaga no CTI, neurointervencionista disponível e competente, transporte rápido, o horário,  o dia da semana e o diagnóstico preciso.
  Agradeço profundamente ao transporte de urgência da Unimed-BH, pela agilidade no resgate, ao Hospital Felício Rocho pela tecnologia disponibilizada e equipes competentes (radiologia, hemodinâmica, CTI Geral, Unidade de Internação, seguranças e todas as outras), em especial, ao Dr. Alexandre Cordeiro Ulhoa e equipe pela disponibilidade, profissionalismo e carinho com que cuidaram do meu pai. 
  Este episódio fortaleceu ainda mais duas das minhas paixões: medicina e gestão em saúde. A primeira pela capacidade de oferecer vida aqueles que ainda têm muito a ensinar. A segunda, por criar condições da primeira ser exercida de maneira plena e digna. Além da medicina mais pura e profissional que sempre prezei e exerço, seguirei batalhando e criando condições para que outras Cenas 2 se multipliquem no nosso meio. 
  Te amo Papai! Mesmo nestes momentos difíceis você continua me ensinando e mostrando os caminhos que devo seguir...

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Idosos: Menos Remédios, Mais Atenção

        Trabalhos recentes associam a utilização de várias medicações ao aumento da mortalidade em idosos. Os mais comuns e perigosos são os utilizados para “tranquilizar” o idoso, os conhecidos neurolépticos.  
  Na medicina atual, a idade vem se tornando apenas um detalhe em muitas ocasiões. A quantidade de idosos independentes vem crescendo muito nos últimos anos. Antigamente, um paciente de 95 anos era algo raríssimo, hoje, em uma única noite de plantão, às vezes, internam-se 2 idosos com mais de 100 anos!
A velhice chega quando a independência se vai, seja ela física ou financeira. Sendo assim, a partir do momento que inicia-se esta dependência, seja aos 70 ou 90 anos de idade, iniciam-se as dificuldades para as famílias e para os velhinhos. Dificuldades financeiras e emocionais de encarar o envelhecimento de uma pessoa querida são, muitas vezes, fatores de desestabilização familiar.
Os cuidados com o idoso são fundamentais para sua qualidade de vida. A população mundial está envelhecendo. O idoso dependente demanda tempo, atenção, carinho, dinheiro e principalmente, paciência. O acompanhamento diário torna-se essencial, porém, extremamente desgastante. A velhice é uma regressão à infância. 
A falta de preparo para encarar a velhice é o principal problema. Os quadros demenciais vêm se multiplicando devido ao aumento da expectativa de vida. A medicina compreende muito pouco este processo e a luta para desacelerar o envelhecimento continua mobilizando bilhões nas pesquisas de novas drogas. A vontade de permanecer eternamente ativo é inerente do ser humano e nós não somos criados para envelhecer.
Acredito que deveríamos encarar a velhice e a grande maioria dos quadros demenciais, obviamente afastando as causas reversíveis, como um processo natural e não como doença. Assim como toda máquina, o ser humano também possui sua vida útil. Alguns duram mais, outros menos. Alguns apresentam “defeitos” mais cedo, precisam de manutenção freqüente e outros “estragam” subitamente. A única certeza é a incerteza do prazo de validade.
Sendo assim, na maioria das vezes, os sedativos e calmantes, deveriam ser oferecidos aos acompanhantes e não aos idosos. Ao invés de 10 gotas de um remédio X, talvez 10 minutos de atenção sejam mais terapêuticos. O idoso, assim como as crianças, precisa é de atenção. 
Daí vem a questão principal: Será que o aumento da mortalidade com o uso dos neurolépticos em idosos está relacionada apenas com a farmacodinâmica? Acredito que não. Frequentemente a utilização dos neurolépticos nos idosos é para facilitar os cuidados. O idoso passa a dormir melhor, torna-se passivo e pára de dar “trabalho”. As doses vão aumentando progressivamente, assim como a introdução de novas medicações. A manipulação das doses é feita pela própria família que desconhece os riscos. Superdosagem e as interações medicamentosas são os verdadeiros vilões desta história. Gradativamente, o idoso torna-se mais dependente, não mais pela simples evolução da doença, mas muitas vezes, pelos efeitos colaterais das medicações. A intoxicação medicamentosa no paciente idoso é muito mais comum do que se imagina. O idoso perde o equilíbrio, a segurança e a independência. Acaba indo para a cama. Quedas, trombose venosa, escaras, disfagia, desnutrição, infecções de repetição e abandono são os verdadeiros vilões que estão diretamente relacionados ao aumento da mortalidade.
Diariamente recebemos pacientes idosos com prostração. Hidratação e suspensão de todas as medicações é a solução em quase todos os casos. A melhora na maioria dos casos é impressionante. 
Tudo bem, mas como fazer para minimizar estes problemas? Simples. Comece a pensar neles desde já, prepare-se psicologicamente e financeiramente para sua velhice. Não adianta dizer que com muito amor não existirão os problemas. Amor não enche barriga e não paga o plano de saúde. O inverso também é verdadeiro. Não adianta ter muito dinheiro, os melhores acompanhantes e o melhor plano de saúde isoladamente. Cultive amizades e valorize sempre sua família. Você irá precisar deles. Cansamos de ver idosos abandonados por suas famílias dentro dos hospitais. Dificuldades sociais para a alta hospitalar tornaram-se uma rotina. A comodidade da internação reflete a comodidade e a falta de preparo da família diante de uma situação muitas vezes certa. O equilíbrio financeiro e psicológico é difícil, mas fundamental, e deve ser buscado sempre. Atenção e dinheiro andam juntos nesta situação.
Não sou contra as medicações neurolépticas desde que usadas com responsabilidade. Sempre que possível, recomendo a retirada. Idoso não combina com remédio, quanto menos melhor. Minha sugestão? Menos remédio e mais atenção!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Colocando o Dedo na Ferida...

Instagram: @prof.breno

Atendemos mal porque recebemos pouco ou 
recebemos pouco porque estamos atendendo mal?

      A grande maioria dos colegas alega que faz um atendimento rápido e superficial devido a má remuneração. Vivem reclamando mas seguem, passivos, dentro deste ciclo vicioso. O problema primário é realmente a remuneração? Obviamente nem todos os colegas se enquadram neste perfil.
    Hoje, avaliaremos o atendimento médico de um outro ponto de vista: o do cliente. Em qualquer prestação de serviço, o consumidor paga pela qualidade percebida. Será que as consultas oferecidas pela maioria dos médicos vale R$ 50,00 (cinqüenta reais)? Você pagaria este valor por uma consulta de 10 minutos com muitos exames e nenhuma atenção? A má remuneração não pode justificar a péssima qualidade do atendimento que estamos prestando aos nossos clientes.

    O que percebo é um notório desconhecimento das noções básicas de marketing cujo principal objetivo é a satisfação do cliente (em outra postagem discutiremos um pouco mais sobre marketing em serviços de saúde). A remuneração tem que ser a conseqüência. 

       No mercado, a melhoria da remuneração ocorre pelos seguintes motivos:
        1. Aumento da demanda.
        2. Aumento qualidade percebida pelo consumidor.
        3. Redução da oferta.
        4. Serviço inovador.
      Realizei uma extensa busca em livros de gestão,  marketing, auto-ajuda, esoterismo e até de esportes mas não encontrei nenhuma  associação de queda da qualidade com melhoria da remuneração. Acho que nossa classe está tentando construir uma casa começando pelo telhado.

      O ponto crítico desta discussão é o desconhecimento dos valores do serviço médico pelas partes interessadas. O paciente raramente sabe os valores repassados ao médico e a grande maioria dos médicos também desconhece o real valor da sua consulta. A ignorância de médicos e clientes coloca as rédeas nas mãos das fontes pagadoras (extremamente profissionais nesta área). Precisamos conhecer melhor as características do nosso serviço para negociarmos de igual para igual e exigirmos qualquer melhoria.  

       As lutas por melhores salários é muito justa desde que o prestador faça por onde. Quem paga quer resultados, principalmente o cliente final. Paralisações em busca de melhores salários não resolverão o problema nunca. Atitudes consistentes, organizadas e reais são bem mais importantes nesta busca.
      Sugiro que façamos nossas atividades médicas com excelência, tratando nossos clientes com o máximo de atenção e da melhor forma possível. Precisamos trazer os clientes para o nosso lado novamente.
 
        Os passos naturais e lógicos do processo devem ser os seguintes:
        1. Atendimento de qualidade e efetivo.
        2. Reconhecimento do cliente.
        3. Coleta dos resultados.
        4. Reconhecimento da fonte pagadora. 
        5. Cobrança de melhoria da remuneração. 
      Só chegaremos a uma remuneração justa através de atitudes no dia-a-dia e não de divagações sem embasamento e de devaneios coletivos. A mudança deve começar dentro dos nossos consultórios, frente a frente com nosso cliente, prestando um serviço de qualidade. Chega de defender uma postura na retórica e agir de outra forma.
     Já estou até escutando daqui... "Mas se eu parar de atender convênio morro de fome!". Pois bem, como diria o Capitão Nascimento: "Ou você se omite, ou você se corrompe, ou você vai para a guerra!". Procure alternativas honestas de remuneração e pare de reclamar.  Tome alguma atitude, faça algo diferente, vá para a guerra!

domingo, 14 de agosto de 2011

Receita? Só no Consultório.

        Doutor, me arruma uma receita? A maioria absoluta dos médicos detesta este tipo de abordagem, entretanto, é uma rotina comum em todas as instituições de saúde. Receita pedida em corredor é uma ofensa à classe médica. A receita médica é fruto de uma avaliação especializada de um profissional que estudou para exercer aquela função. Receita é resultado de um trabalho remunerado e realizado pelo médico. Atualmente, conseguir uma receita médica é algo extremamente simples. A receita médica é banalizada e isto ocorre por causa dos próprios médicos. Você já viu alguém pedir um projetinho de uma casa para um arquiteto? Uma audiência rápida com um advogado? Um consertinho de um automóvel? Pois é, mas uma receitinha médica para a vovó ou para o papai...

       O próprio médico banaliza e desvaloriza seu serviço fornecendo receitas para amigos, conhecidos ou até mesmo familiares, seja no corredor, no supermercado ou até mesmo em um jogo de futebol. A receita é fornecida, na maioria das vezes, sem a avaliação clínica do paciente. As medicações devem ser prescritas após uma avaliação criteriosa. Caso seja necessária a manutenção ou a suspensão da medicação, quem tem autonomia suficiente para isso é o médico que prescreveu e não um médico conhecido e “gente boa”.
A banalização é tamanha que o médico que não prescreve no corredor é considerado chato e com má-vontade. Exemplificarei um caso para provar o quanto é perigoso esse tipo de prescrição: faço uma receita, a pedido, de fluoxetina (que por sinal é um dos mais requisitados no momento) para a mãe de uma funcionária do hospital. A paciente tem uma reação grave com a medicação (conseqüência absolutamente possível). Quem vai responder pela prescrição da droga? Isso mesmo, o médico bonzinho e simpático. Os argumentos são sempre os mesmos e ditos com uma cara de sofrimento quase inegáveis. Seguem alguns exemplos mais comuns:
  1- Que isso Dr., ela já toma esse remédio há muito tempo.... 
  2- Credo Dr., vou ter que marcar uma consulta só para pegar a receita?
  3- A farmácia só libera a medicação para um mês... 
  4- Ô Dr., minha mãe só tem mais 2 comprimidos e não pode ficar sem o remédio...

     Os médicos vivem procurando respeito e confiabilidade, logo, precisam urgente de um pouco de coleguismo e cumplicidade. Nós médicos precisamos valorizar nosso serviço, caso contrário, quem irá nos valorizar? A medicina vive um momento extremamente difícil devido aos convênios e à baixa remuneração médica, sendo assim, a união da classe em torno de medidas simples poderia ajudar bastante neste sentido. Os pacientes e familiares devem ter o mínimo de bom senso e passar a respeitar o médico entendendo que receita médica é fruto de trabalho.
     Venho propor uma campanha: Receita? Só no consultório. Espero que os colegas possam aderir a esta iniciativa que será o primeiro passo rumo à retomada do respeito à nossa classe. Vamos tomar atitudes ao invés de só reclamarmos. Sendo assim, fica combinado que em qualquer abordagem para solicitação de receita médica em ambientes impróprios, a resposta será uma só: Receita? Só no consultório..