CENA 1
25 de agosto de 2011, quinta-feira, Belo Horizonte
07:00
Papai, 66 anos, acorda, se espreguiça, assenta-se na cama, pega o seu “tablet” no criado ao lado e deixa seu óculos cair no chão. Ao tentar pegar o óculos, cai no chão com todo o lado esquerdo do corpo paralisado. Escuto o barulho da queda e vou ao seu encontro.
07:04
Aciono o serviço de emergência.
07:29
A ambulância chega. Papai segue com o lado esquerdo todo paralisado mas responde tudo e respira sem dificuldades.
08:01
Chegamos ao Pronto-Socorro
08:27
Avaliado pelo médico do Pronto-Socorro que suspeita de um acidente vascular cerebral (AVC). Papai segue estável mas hemiplégico à esquerda. O médico solicita uma avaliação do neurologista.
09:41
Após avaliar alguns pacientes na enfermaria o neurologista chega, avalia o papai e solicita uma tomografia cerebral (TC) na urgência. Suspeita de um AVC isquêmico. Pede a enfermeira para lhe avisar após a realização do exame. Vai para a enfermaria avaliar um paciente com crise convulsiva.
10:22
Papai faz a tomografia.
10:41
A enfermeira comunica o neurologista que a tomografia foi realizada. Ele está levando um paciente para o CTI.
11:38
O neurologista avalia a TC que não mostra hemorragias. O diagnóstico de AVC isquêmico é fechado.
11:42
O neurologista comunica a família sobre o diagnóstico, inicia AAS e clopidogrel. Contra-indica qualquer procedimento, principalmente o trombolítico, já que se passaram 4 horas e 42 minutos do ocorrido. Solicita a internação.
26 de agosto de 2011, sexta-feira
04:07
Papai ainda está no Pronto-Socorro aguardando vaga na internação. A enfermeira nota que papai parou de responder ao chamado. Ele é avaliado prontamente pelo médico da emergência que o encaminha para o CTI. Felizmente tinha vaga.
05:02
Papai é intubado no CTI.
16 de setembro de 2011, sexta-feira
10:23
Após 21 dias de CTI, papai recebe alta traqueostomizado, sem manter contato efetivo e com sonda nasoentérica.
3 de Outubro de 2011, segunda-feira
11:23
Papai recebe alta hospitalar após 38 dias de internação. Hemiplégico, mantem contato com dificuldade e já com gastrostomia. A casa foi adaptada e papai segue sua rotina de fisioterapia e reabilitação. Infelizmente não voltará a trabalhar.
CENA 2
25 de agosto de 2011, quinta-feira, Belo Horizonte
07:00
Papai, 66 anos, acorda, se espreguiça, assenta-se na cama, pega o seu “tablet” no criado ao lado e deixa seu óculos cair no chão. Ao tentar pegar o óculos, cai no chão com todo o lado esquerdo do corpo paralisado. Escuto o barulho da queda e vou ao seu encontro.
07:04
Aciono o serviço de emergência. Converso com um médico pelo telefone. A suspeita é que papai esteja tendo um AVC.
07:07
A vaga no CTI é confirmada.
07:08
O Neurointervencionista é acionado e vai para o hospital.
07:29
A ambulância chega.
08:01
Papai chega ao hospital e é encaminhado diretamente para a tomografia após breve avaliação médica.
08:11
Tomografia sem sinais de hemorragia. Diagnóstico de AVC isquêmico confirmado.
08:16
Realiza-se uma angiotomografia cerebral que confirma a obstrução da Artéria Cerebral Média (ACM) direita.
08:41
Já na hemodinâmica, visualizado grande trombo obstruindo a ACM direita. Realizada a retirada do trombo pelo mesmo acesso do cateterismo (trombectomia endovascular - veja o procedimento aqui) com sucesso. O fluxo cerebral é completamente reestabelecido.
09:21
Papai chega ao CTI e é mantido sedado até a tomografia de controle.
15:36
Tomografia cerebral praticamente normal. Retirada a sedação.
26 de Agosto de 2011, sexta-feira
01:21
Papai é extubado no CTI sem déficits neurológicos.
27 de Agosto de 2011, sábado
09:11
Chega ao quarto onde toma banho sozinho e encontra-se sem déficits neurológicos.
31 de Agosto de 2011, quarta-feira
10:02
Recebe alta do hospital após 6 dias de internação. Em 10 dias retorna ao trabalho e segue sua vida normal.
Este caso realmente aconteceu com o meu pai e, felizmente, o que aconteceu foi a Cena 2. A Cena 1 é a rotina na grande maioria dos serviços de urgência do mundo. O problema não está nas pessoas e sim, nos processos de atendimento destes pacientes nos hospitais. Devido a uma conjunção impressionante de fatos, meu pai recebeu um atendimento que é mais raro de acontecer que ganhar na megasena acumulada seis vezes seguidas. Tudo, felizmente, conspirou a favor. O fato de eu estar em casa, ser médico, trabalhar em um hospital de ponta com todos os recursos que a medicina oferece, ter vaga no CTI, neurointervencionista disponível e competente, transporte rápido, o horário, o dia da semana e o diagnóstico preciso.
Agradeço profundamente ao transporte de urgência da Unimed-BH, pela agilidade no resgate, ao Hospital Felício Rocho pela tecnologia disponibilizada e equipes competentes (radiologia, hemodinâmica, CTI Geral, Unidade de Internação, seguranças e todas as outras), em especial, ao Dr. Alexandre Cordeiro Ulhoa e equipe pela disponibilidade, profissionalismo e carinho com que cuidaram do meu pai.
Este episódio fortaleceu ainda mais duas das minhas paixões: medicina e gestão em saúde. A primeira pela capacidade de oferecer vida aqueles que ainda têm muito a ensinar. A segunda, por criar condições da primeira ser exercida de maneira plena e digna. Além da medicina mais pura e profissional que sempre prezei e exerço, seguirei batalhando e criando condições para que outras Cenas 2 se multipliquem no nosso meio.
Te amo Papai! Mesmo nestes momentos difíceis você continua me ensinando e mostrando os caminhos que devo seguir...