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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Banho de Empatia


     “Estava morrendo de frio, o ar condicionado ligado e eu ali deitado em uma cama do CTI, só com uma fralda e um cobertor esgarçado. Havia operado de "nó na tripa" há dois dias. Minha barriga quase explodiu. Ficara uma semana sem obrar e cheguei no hospital quase desfalecendo. O médico nem me olhou direito e já me levou direto para o bloco de operação. Disse que eu tinha septicemia e que se não me operasse eu morreria. Logo eu, que nunca tinha ido no médico. Graças a Deus e ao Dr. Cirurgião, me salvei. Após a cirurgia lá estava eu no CTI.

     Já estava acordado e lúcido, mas não me deixaram ir para a enfermaria por causa de uma tal de acidose. Os médicos ainda precisavam me dar muito soro e acharam mais seguro me manter no CTI. Meu xixi, esmirrado e amarelão, saía por uma sonda que ardia demais. Dor até que eu não estava sentindo muito. O corte da cirurgia já estava bem sequinho.

     De repente, entra a enfermeira... "Bom dia Sr. Xisto! Está na hora do banho!" Não sei de onde ela tirava aquela empolgação. Tubo na goela, sonda, dor, frio, barulho, nada disso me dá tanta agonia quanto a lembrança do tal banho de leito. Como não podia sair da cama, as enfermeiras me davam o banho lá mesmo. Quem já passou por essa desgraça sabe bem do que estou falando. Os que nunca tomaram o "banho de gato" do hospital, não queiram. Sem dúvida, a pior experiência que já passei. Aos 83 anos não pensei que tivesse que passar por aquilo. Tinha até escapado do famoso exame do dedão, mas daquele banho desmoralizante não teve jeito.

     Primeiro tiravam minha roupa sem cerimônia nenhuma. Lá estava eu, pelado, com frio e completamente impotente diante das enfermeiras. Ainda mais eu, que só tinha ficado pelado na frente da minha esposa e, mesmo assim, na meia luz. Apesar da água esquentada, o frio era terrível. Elas conversavam sobre a novela, os filhos e até das paqueras enquanto lavavam minha poupança. Utilizavam uma compressa para limpar tudo, literalmente. Ali eu percebi o quão frágil eu era. Após o término eu já estava sofrendo com o possível banho no dia seguinte. Tomar um banho direito e sozinho era o que eu mais queria durante minha estadia no CTI. Tenho apenas um conselho para vocês, profissionais de saúde: nunca se esqueçam que ali existe um ser humano que pensa, morrendo de medo de morrer, ansioso, frágil e que sofre assim como você.”

     O hospital é um local de trabalho como qualquer outro. A criação de um bom ambiente entre os profissionais vale também para as instituições de saúde. Trabalhamos com pessoas frágeis em momentos, muitas vezes, delicados. Muitas vezes esquecemos que estamos lidando com pessoas. Talvez para aliviarmos a tensão natural do ambiente hospitalar, brincamos uns com os outros, falamos alto e esquecemos que o nosso cliente está logo ali e, geralmente, muito sensível. Comer após ver uma ferida horrorosa, achar uma escara bonita, acostumar com os cheiros, tudo passa a ser normal.

     Precisamos nos policiar dentro dos hospitais constantemente. Isso é função de todos os colaboradores juntos. O bom humor é muito bem vindo, a falta de empatia não. Colocar-se na situação do paciente ou dos familiares e identificar seus sentimentos caracterizam a empatia. Empatia é a característica mais importante de qualquer prestador de serviço. O melhor jeito de aprender é virar paciente. Pergunte para algum colega que precisou se internar um dia. Treine a empatia diariamente, ou então, tome um banho de leito! 

6 comentários:

  1. Achei
    Perfeito!!! Irei colocar nos murais dos CTIs para as equipes lerem!!!Dani Mascarenhas

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  2. Tomei banho de leito ou gato , como preferir e, é realmente, muito constrangedor! Você ali, indefesa, como um boneco, vira pra lá, vira pra cá...aff...4 dias que pareceram bem mais... preferia 40 injeções! Fato é que, admiro sua empatia e a de sua equipe: Paulinha e Dr.Renato "fura-bochecha"...Ainda me envergonho quando choro mas é muito bom sentir que se importam, garanto! Vanessa 355

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  3. Hahahahaha....é Brenão...essa foi boa!
    Bom em 2002 (não sei se lembra) passei pelo CTI, e tomei este banho: Num curto relato, cheguei no CTI de tarde, minha tia tinha levado uma tv peq., acordei por volta das 19:00hs, todo monitorado, e como você bem me conhece, eu sozinho levantei da maca e fui ligar a TV, quando veio a Tec. enfermagem desesperada pois eu estava atrás dos munitores tentando ligar a TV...rs. Quando me disse que no CTI eu não poderia colocar o pé no chão. Eu com meus 17 anos, logo pensei quem iria me dar banho no dia seguinte... acordei na manhã seguinte, quando vem um Tec.enfermagem, me dando bom dia e dizendo que estava ali comigo no dia, e que qualquer coisa era só chamar. Me lembro do nome do Tec. até hoje, Alcebiades...quando encontro o Sidney, e lemabramos desta história, rachamos de rir.
    Lembro-me que antes do banho, tudo que eu queria mais, era ver o Renatinho e sua equipe, pra me tirar dali, antes de ter que tomar este banho...rs...! Mas não adiantou nada, passei mais dois dias ali!

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  4. Sobre a "Empatia", hoje está fazendo 17 dias que fiz cirurgia. Bom no dia 26/01/2012, +/- a 16hs, foi diagnosticado que eu estava com apêndicite, e decidido que no mesmo dia eu faria a cirurgia. Por volta das 17hs, eu estava no quarto tentando dormir (pois a dor que eu tinha, estava me consumindo), e o Brenão já tinha passado, eis que entram duas enfermeiras no quarto: uma estágiaria, e a outra chefe do setor. A Estágiaria estava ali para o trabalho burocrático de dados do paciente, e começou a me fazer perguntas (Bom, já internei várias vezes, e todos sempre falavam que eu era comunicativo, e desta vez pouco conversei)....bem que uma delas era "porque eu estava internado?" e eu prontamente respondi com poucas palavras, eis que ela querendo ser comunicativa, me disse: "nossa, eu já fiz tem (nem lembro quantos anos disse)...dói pra caramba o pós-cirúrgico". Eu não liguei pro comentario, mas minha mãe que estava comigo dentro do quarto, e é super protetora, logo falou "com ele vai ser diferente, ele é forte, e não vai sentir dor alguma!". A enfermeira chefe, que também estava no quarto anotando os dados dos Tec. de enfermagem, fez um comentário: "eu também já fiz Marcelo, e agora estou percebendo porque você está tão quieto, antes da cirurgia sentir dor igual você está sentindo no momento, mas depois da cirurgia não senti nada!", como essa enfermeira é minha conhecida, me deu a mão e se despediu dizendo "vai dar tudo certo, fica com Deus" e saiu, enquanto a estágiaria continuava a fazer perguntas. Acredito, que a chefe de enfermagem deu um puxãozinho de orelha em sua estágiaria, pelo comentário. Quando voltou ao meu quarto, no dia seguinte, a enfermeira me perguntou como eu estava, e eu disse que bem, que dor do abdômen já não existia, daí ela me falou: "Marcelo, eu não ia falar com você naquela hora, mas meu pós-cirúrgico, foi horrível, fiquei três dia de "cama e banheiro", não parava de vomitar...". Um comentário, no momento proprício!
    P.s.: Eu não tinha ligado pra estágiaria, eis que eu relatei que tentava dormir´pois minha dor era muito intensa?! Uns quinze minutos depois entra a estágia no quarto outra vez, viu que eu dormia (minha mãe no banheiro), me acordou e disse que faltavam algumas perguntas. Eu fiquei puto, e esperei as perguntas, foram só duas : se eu tinha internado pelo PS, e qual minha religião?
    Me descupa a ignorância Brenão, mas no momento daqueles, só conseguir dizer "ATEU".
    Mas não sou!

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  5. Brenão seu blog é uma das minhas mais frequentes visitas na net. Quem te conhece não se surpreende mas não pode deixar de louvar a sua verdadeira cruzada pelo trato mais humano pela importância de um gesto ou palavra em um momento em que isto é um remédio milagroso, as suas divagações como você diz são importantes não só na Medicina mas em todas as relações entre as pessoas e em todas as áreas. Nestes tempos corridos, digitais e pautados na rotina de procedimentos muitas vezes frios, repito, em todas as áreas, divagar com vc é além de um prazer uma prática que nos torna melhores! Parabéns Bernardo Santana

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