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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Gestão em Saúde: Amadorismo Angustiante

         Acabou a era do amadorismo em saúde. As instituições que não enxergarem ou que fizerem vista grossa para esta realidade estarão fadadas ao fracasso. Gestão está na moda e receitas de bolo são vendidas a um custo altíssimo. Acreditações, protocolos, indicadores e photoshop (leia aqui a excelente colocação do colega Guilherme Brauner Barcelos do Rio Grande do Sul) tornaram-se comuns. A essência e o core-business individual de cada instituição se perdem nesta falta de identidade institucional. Consultorias são importantes para se promover a arrancada, assim como as acreditações, entretanto, para crescer, a instituição precisa caminhar com as próprias pernas. Chegou a hora de fazer gestão de verdade!

         Relações profissionais de profundo amadorismo e frágeis em instituições altamente complexas. Não existe sincronia de interesses. Objetivos são de curtíssimo prazo e sem uma linha de continuidade. Os erros se repetem pela total falta de organização e comando linear. Interesses pessoais, ou de um grupo, se sobrepõem aos institucionais. A política, no final, justifica tudo. O comodismo e a recorrente frase: aqui sempre foi assim são características comuns. O crescimento alheio incomoda ao invés de orgulhar e agregar. As preocupações com os ganhos do próximo impedem o crescimento de alguns que, certamente, fracassarão no longo prazo.

            Em meio a esta batalha, eis que encontramos o pobre gestor em saúde (não me refiro aos diretores). As idéias são muitas, a autonomia minguada, o trabalho sempre dobrado, o reconhecimento  minimizado, a rotatividade de técnico de futebol brasileiro e o tesão quase sempre apagado pela falta de objetivos claros e de visão dos diretores da instituição.

            Dentre os gestores temos os próprios médicos, os enfermeiros e os não relacionados a área de saúde. Não me atrevo a dizer qual seria o melhor perfil, mas uma mistura de gestor profissional, não relacionado a saúde, com médico ou enfermeiro, assim como na Mayo Clinic, por exemplo, parece ser o mais sensato. Algumas instituições brasileiras felizmente já estão enxergando este caminho. Diferentes visões com um mesmo objetivo já são uma realidade, rara, mas existente no nosso meio.

           O enfermeiro, geralmente, é funcionário da instituição, logo, teoricamente, joga junto com os gestores, quando não o são. Não acho que seja a melhor situação, de maneira nenhuma, como já me posicionei na postagem: Cadê a Enfermeira?. Acho que a maioria dos enfermeiros sofre com esse acúmulo de funções burocráticas que tornaram-se inerentes a eles, por falta de opção e por necessidade imposta. Hoje, não existe a distinção entre enfermeiro e gestor, o que é, na minha opinião, um "erro crasso". Existem gestores excepcionais que são enfermeiros, não gostam (e isso é opção pessoal) da assistência direta ao paciente. Eles são fundamentais para a instituição. Definindo a posição não existe problema. O que é inadmissível é um enfermeiro assistencial ser cobrado apenas pela gestão e não pela qualidade da assistência em si e, o pior, sem receber nada mais por isso. Isto é uma rotina absurda no nosso meio, uma completa indefinição de valores.

        Situação igualmente aflitiva ocorre com vários médicos gestores. Na teoria, uma combinação perfeita por conhecer as duas posições. Infelizmente, uma parece apagar a visão da outra. Antes, critica o sistema,  mas, após assumir um cargo relacionado a gestão, acaba mudando seu ponto de vista. A falta de preparo e o desafio assumido apenas pela confiança, e não pela competência, fragiliza o gestor médico na maioria das vezes.

            Bakunin, anarquista e teórico político russo do século XIX, dizia que aquele que assume uma posição política superior, além de mudar de status, também muda o ponto de vista. Passa a enxergar a situação de um novo ângulo, muito diferente das suas convicções "proletárias". Poucos são os mal intencionados, a maioria, são meramente humanos.

          Sobra o coitado do gestor não relacionado a área da saúde pelejando com os médicos. Eles não ajudam, não estão preocupados com as melhorias, não coletam dados…” Por que? O médico não está ganhando nada com isso. O hospital acreditado, por exemplo, passa a ter um ganho maior nos repasses, enquanto os médicos... Poucos são os hospitais que ajudam os médicos nas suas reivindicações diante dos planos de saúde, por exemplo. Sendo assim, os médicos não se empenham em nada para melhorar a instituição, pois não conseguem enxergar, ou não lhe mostram o real retorno.

          Gestores brilhantes conseguem equilibrar os pontos de vista, da sala da diretoria ao "chão da fábrica". Gestores acima da média conseguem selecionar pessoas diferenciadas que enxergam o que eles não vêem. Gestores comuns delegam funções a pessoas comuns. Gestores medíocres não enxergam o foco principal da instituição e conhecem apenas as fórmulas de soma e subtração.

4 comentários:

  1. Caro Breno, obrigado pela citação. Li o teu texto com atenção e concordo em diversos pontos. Atualmente estou colaborando como médico executivo em departamento de qualidade de um hospital, longe da linha de frente. Que desafio! Que saudades do que vi nos EUA, onde isto brotava justamente da linha de frente e o departamento de qualidade servia para dar amparo ao trabalho desenvolvido. Raras vezes vi lá as coisas vindas de cima para baixo, e acho que é um fator de pior prognóstico, embora não seja determinante.

    Será que há melhor perfil de gestor? Não será o trabalho em equipe o segredo da gestão em saúde? O desafio é fazer todos dominar uma só língua e se comunicar bem, mas ainda acredito na importância (e na aplicabilidade) deste grupo plural participando do processo, e então fazendo a diferença.

    “Situação aflitiva ocorre com vários médicos gestores. Na teoria, uma combinação perfeita por conhecer as duas posições. Infelizmente, uma parece apagar a visão da outra. Antes, critica o sistema, mas, após assumir um cargo relacionado a gestão, acaba mudando seu ponto de vista”. Alguma dúvida disto, amigo Breno? Isto não se dá por sacanagem, é um processo natural, humano. Ocorre com todos nós – o importante é estarmos atentos para a possibilidade sempre, melhor ainda quando existem mecanismos de controle superiores. Nesse teatro confuso da vida, em que os atores nem sempre ficam parados nas mesmas posições, vamos tentando nos movimentar sobre um chão que se move sob nossos pés – construindo uma expectativa mais ou menos realista em relação às outras pessoas, ao mesmo tempo em que tentamos demonstrar uma certa consistência nas nossas próprias atitudes. É difícil admitir, mas o fato é que a maioria de nós move-se a maior parte do tempo mais por circunstâncias. Eu já me vi fazendo isto mil vezes. Recentemente um colega que era ferrenho defensor do movimento de médicos residentes e suas tradicionais bandeiras virou gestor responsável por contratar médicos. Na falta de profissionais (e não cabe aqui discutir os motivos), se viu defendendo contratação de médicos em treinamento para o seu serviço e com argumentos interessantes (“perfil de médico motivado, sem vícios tradicionais, maleável..."). Outro exemplo é de um ex-presidente de associação médica de intensivistas que se viu contratando e defendendo não-intensivistas para sua unidade. Argumento: “os intensivistas não querem pelo salário oferecido, tem quem queira”.

    Por fim, é preciso arranjar mecanismos para dar visibilidade a estes gestores brilhantes... e me passei no tamanho. Abração!

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  2. É...sem palavras, mas com muitos pensamentos e pofundamente incomodado com a "cegueira" das instituições. Que não desanimemos com a omissão assustadora e perseveremos com nossas vontades e atitudes. Mas, realmente, não dá para entender...Parabéns, Dr. Breno.

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  3. Conheço um pouco deste dilema de médico gestor e considero gerenciar médicos o maior desafio. De um modo geral nós médicos extrapolamos a nossa independência no exercício da profissão, assumimos compromissos em demasia e não gostamos de cumprir horários ou metas, como geralmente a assistência gira em torno do médico, ocorre uma cascata de atrasos e incertezas aumentando o desafio do administrador. Com relação aos vários consultores e provedores de soluções que se apresentam aos administradores de serviços de saúde, é difícil separar o joio do trigo inicialmente e mais angustiante ainda é obter o retorno sobre o investimento pois por melhor que seja uma consultoria ou acreditação, se seus resultados forem inferiores ao investimento, simplesmente foi um mal negócio.

    Administrar serviços de saúde é sem dúvida um desafio, não existem muitas fontes de conhecimento neste assunto e os profissionais que fazem diferença são poucos.

    O amadorismo gera ainda uma grande distorção no mercado. Vários são os profissionais e instituições que operam no vermelho, numa espécie de dumping apenas para manter sua posição no mercado ou porque não conhecem seus custos e têm uma estrutura de preços distorcida.

    Por tudo isto, saudo aos Drs. Breno e Guilherme por levantarem esta discussão.

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  4. Alex, veja que interessante: e quando um grupo de médicos cria um movimento que tem na sua essência uma auto-crítica a forma como defendemos nossa "independência", algo contrário ao que colocaste acima, se oferecendo para cumprir horários e metas. E mesmo assim encontramos COLEGAS que insistem em oferecer oportunidades tipo Caracu. Este é o movimento hospitalista no Brasil. A oferta de emprego abaixo é real, está sendo oferecida pelo sindicato médico de São Paulo inclusive. Necessário Residência Médica em Clínica Médica ou estar cursando. Atribuições do "hospitalista": admissão de pacientes, rondas preventivas, resolver problemas administrativos, acionar protocolos institucionais, atender intercorrências clínicas, fazer transportes e garantir prescrições em dia. Bacana perceber que o contato é de um colega médico. E aí? Sacanagem ou simplesmente visão de mundo muito diferente? Isto tudo está previsto no modelo hospitalista, mas não é fim, é meio, entendes? Como melhor regular estas relações entre médico "comuns" e os "donos da bola", "amigos do dono do campinho"?

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