Desaparecido atrás do “pequeno” prato, comecei a peleja. Assentado na minha frente encontrava-se uma daquelas figuras típicas de restaurante self-service. Um jovem muito obeso com o prato transbordando. Certamente ganharia indicação para cirurgia bariátrica sem a utilização de subterfúgios, muito frequentes atualmente. “Ajudar” o cliente a preencher os critérios para cirurgia parece absurdo, mas acontece. Discutimos bastante a indicação e a banalização da cirurgia de redução de estômago na nossa equipe. O aumento significativo deste procedimento vem evidenciando, cada vez mais, os seus riscos e uma realidade cruel. Deficiências vitamínicas e de ferro são comuns e fáceis de se contornar; o difícil é mudar a cabeça do obeso. Indicações existem, mas a preparação psicológica me parece insuficiente na maioria dos casos. Pacientes operados que voltaram a engordar estão se tornando muito comuns. A cabeça não estava preparada para largar a obesidade.
No caso daquele jovem, a preparação psicológica parecia pronta. A sua lentidão para se alimentar me chamou a atenção, apesar do prato bem cheio. O problema só podia ser do seu metabolismo. Ele dava uma garfada, olhava para o infinito. Mastigava como uma tartaruga, colocava os talheres sobre o prato, aguardava alguns minutos e só depois enchia um novo garfo. Organizava o arroz e o feijão no prato de maneira metódica. Mais parecia um menino já saciado com vergonha de falar para a mãe que não queria mais comer. Chegara mais tarde que ele e já havia devorado meu prato enquanto o jovem mantinha seu ritual de “very very very slow food”.
Um dos princípios básicos para conseguir perder peso é alimentar-se devagar. Neste quesito aquele jovem me parecia um mestre. Continuava sem entender aquela obesidade desproporcional...
Como um jovem tão obeso comeria assim tão devagar? Estaria fazendo regime? Fiquei muito encucado com aquela situação. Eis que a resposta surgiu junto com a dona do restaurante... O jovem estava apenas esperando seu bife de fígado acebolado que estava sendo preparado e acabara de chegar a sua mesa após um longo período de espera. Dali em diante, em menos de 3 minutos, terminou todo o seu prato sem quase respirar direito. Estava explicado...
Sei dos benefícios da cirurgia bariátrica bem indicada, mas muitas vezes opera-se o órgão errado. O problema não é no estômago e sim na cabeça. O estilo de vida, a influência dos familiares e da própria sociedade são alguns dos verdadeiros culpados. Pobre coitado do estômago! A preparação psicológica é fundamental e deve ser seguida criteriosamente no pré-operatório. Me atrevo a dizer que aquele obeso que passa por um acompanhamento psicológico e psiquiátrico sério tem mais possibilidades de emagrecer sozinho (“fechando a boca”) do que com a cirurgia. Meia dúzia de visitas ao psicólogo não conseguem preparar os pacientes adequadamente e nem resolver o verdadeiro problema. O caminho mais fácil nem sempre nos leva ao destino correto. Um corpo saudável e uma boa saúde dependem de esforço, disciplina e atitude. Cirurgia e remédio são sintomáticos. O verdadeiro problema precisa ser tratado junto para se alcançar um resultado satisfatório.
Com raríssimas exceções, a obesidade é resultado de uma ingesta maior do que o consumo ao longo de anos. Dietas milagrosas não resolvem o problema. Uma educação alimentar desde a infância, com exemplos familiares, atividades físicas e “cuca” boa irão determinar os dígitos da balança quando você sobe nela. Mudar hábitos, principalmente alimentares, é mais difícil que tratar um câncer, na maioria das vezes.
É incrivel como isso é comum. Recentemente acompanhei um paciente internado, transferido para nossa equipe de Hospitalistas, para medidas de desospitalização após quase 60 dias internado. Motivo da internação: acidente automobilistico grave. Motivo do acidente: Paciente obeso realizou cirurgia bariatrica e transferiu sua compulsão para o consumo de bebida e dinheiro . Resultado = encheu a cara e detonou uma pickup novinha que acabara de comprar a perder de vista (ainda deve tar pagando as prestações até hoje). A sorte dele foi a megalomania consumista, se tivesse comprado um carro pequeno tinha morrido....
ResponderExcluirComentário de uma pessoa que fez a cirurgia e que leu o texto acima
ResponderExcluir: Li o artigo e gostei muito. Concordo plenamente que as pessoas que alcançam o sucesso nessa cirurgia são as que estão psicologicamente preparadas. Operar o estômago é a parte mais fácil...
Digo com conhecimento de causa, pois me propus a mudar totalmente os meus hábitos.
Hoje sou outra pessoa, por dentro e por fora, literalmente...
Mais do que meu corpo, minha cabeça mudou e eu me preparei muito pra isso.
Faço todos os acompanhamentos e está tudo PERFEITO comigo.
Me sinto muito melhor hoje, minha saúde está ótima, minha auto estima então, nem se fala!
Em Janeiro já vão fazer 2 anos de minha cirurgia. Passou muito rápido...
Nem me lembro mais de como eu era.... Engraçado, né???
O poder do pensamento positivo é muito grande mesmo.
Sim. Mas é uma crítica vã, que em nada contribui para a resolução do problema. É apenas uma elocrubação mental que expõe um sentimento de superioridade intelectual(?) ou moral/autocontrole(?) em relação àquele ser glutão e grotesco que você observou no almoço. Todos sabemos que os obesos são obesos por causa de modo como comem, seja lá qual for o mecanismo fisiopatológico envolvido na perpetuação do processo. Mas a cirurgia bariátrica veio para salvar a vida dessas pessoas fracas, ignorantes, negativistas, socialmente e ambientalmente incorretas. Há problemas, há complicações, há mortes como qualquer tratamento médico. Mas por incrível que pareça, não há alternativa melhor disponível. Quanto à sua proposição de tratamento psicológico + dieta para a perda de peso, considero como simplista, empírica e gereralista demais. Veja a edição no New England Journal of Medicine do dia 24/11/11. Há 2 estudos mostrando o efeito do aconselhamento/acompanhamento clínico para tratamento da obesidade. Repare no percentual de perda de peso, transfira isso para um obeso mórbido e pense na sinificância. Depois compare com os resultados cirúrgicos. Esse comentário é de um Clínico que trabalha com obesos, que tenta estudar, ouvir, examinar e raciocinar como um "clínico das antigas", mas que luta com todas as forças para fugir do "Pensamento das antigas" que se baseava demasiadamente na observação e julgamento dos fatos e sujeita a contaminação por todo tipo de preconceito/idéias errôneas. Um Abraço.
ResponderExcluirDr. Breno, deste assunto entendo bem... já participei de centenas de cirurgias de obesidade e não tenho coragem, nem INDICAÇÃO para eu mesmo me submeter a tal agressão...
ResponderExcluirA ampliação ou liberalidade da indicação tenta me pegar, mas eu nego e tento fugir... não me julgo ainda em "sinuca de bico" para ter de operar...
É sem dúvida, uma opção rápida para a perda de peso e seus malefícios, entretanto, deitar-se em uma mesa de cirurgia para qualquer procedimento NÃO É SIMPLES!!!
Quem está pronto para se submeter a tal procedimento é totalmente diferente de quem está pronto a executá-lo...
Infelizmente alguns colegas MINORIZAM o risco e falam e até vendem as cirurgias como algo assim... fácil!
Há uma pequena grande confusão escondida aí...
Fácil pode ser a execução do procedimento e ou o seu acompanhamento posterior pela experiencia acumulada, mas... o procedimento cirurgico ser rápido, ser realizado aos milhares, o cirurgião ser extremamente hábil e dispor dos melhores equipamentos, são variáveis que talvez controlemos... e só isto...
As milhões e bilhões de variáveis envolvidas no corpo humano a cada instante são incontroláveis e em sua maioria desconhecidas por nós...
Assim, infelizmente, falta humildade para muitos colegas que se gabam de suas habilidades ou de seus estudos, e acabam sendo emissores do famoso: "Eu sei fazer isto, e fazer bem!";
Assim como falta também perseverança para a maioria dos pacientes, lutar e vencer cada dia, bem como perder outros e devarzinho, se conhecendo, vencer o cabo de guerra contra a balança...
Dependo de cirurgias para sobreviver, mas sempre pergunto de forma positiva: "Vc está realmente pronto para a cirurgia?"
Casos de sucesso são sempre animadores, casos complicados são sempre estressores, mas a humildade tem que está ao seu lado direito para te aconselhar a tomar os rumos certos...
abraços
Sabe que é a mais pura verdade Breno, vc sabe que fiz e deu super certo comigo, mas que nos tempos atuais isto é raridade, mas também entrei para a cirurgia com a mente tranquila e a certeza das mudanças radicais que viriam a acontecer em minha nova vida, não posso reclamar tive uma equipe medica multiinterdiciplinar excelente, onde me deram apoio e orientação adequada, antes e depois da cirurgia.
ResponderExcluirObrigado pelos esclareciementos.
Breno
ResponderExcluirConcordo plenamente com o que vc disse!
Sou psicóloga e percebo como as pessoas estão despreparadas para partir para uma cirurgia com riscos tão evidentes. Conheço várias pessoas que se submeteram à cirurgia. Foi um sucesso, claro! Porém... como não se sumeteram a um acompanhamento psicológica, transferiram sua compulsão para bebida, drogas, entre outras.
Evidente que num mundo onde se valoriza o corpo esguio e esquálido das manequins, num país tropical como o nosso, a incidência de cirurgias bariátricas é enorme. Da mesma forma que é evidente que existem obesos que precisam fazer a cirurgia como única forma de ter uma vida saudável, ou melhor, de ser possível viver.
Mas eu garanto que as cirurgias antecedidas por um acompanhamento psicoterápico longo são com certeza as de melhor resultados.
A fome psicológica é muito mais voraz que a fome gástrica.
Reduzir o estômago não reduz a fome emocional, psíquica.
Lucia Castro
Breno, muito interessante a postagem acima. A obesidade é uma doença do cérebro (que controla o corpo) - a meu ver. Não tem nada de endocrinológico. Tanto que os medicamentos que mais causaram inibição do apetite (as anfetamina proibidas, graças ao bom pai) e a sibutramina (que já passou da hora de ser proibida), regulam a saciedade no cérebro. O Xenical promove diarréia e mal-absorção de gordura - (uma cirurgia quimica, com má-absorção de proteínas). Infelizmente, a compulsão alimentar é uma doença grave, ainda sem tratamento adequado, mesmo com psicoterapia e tratamento psiquiátrico - Ontem vi uma nova série da Discovery chamada "meia tonelada"; onde se mostram obesos mórbidos americanos que mal saem da cama. Os inibidores de apetite causam problemas psiquiátricos (depressão, suicídio e mesmo psicose - além de artigos, vejamos a prática clínica)... A cirurgia bariátrica é um tiro de canhão contra o mosquito. Mas, enquanto não inventaram a neurocirurgia - ou psicocirurgia (ou medicamento eficaz para obesidade) é o menos pior método. É um método de "barreira". Você come... Seu estomago tinha 1500ml -passa a ter 50ml e um anel de silicone. Se comer mais do que isso (ele dilata até uns 200ml), você vomita. Simples Assim. Um paciente meu ligou para seu médico reclamando de vomitar ao comer carne; o médico disse - então sua cirurgia deu certo!.... E o pior, os cirurgiões trabalham muito, ganham uma fortuna, depois literalmente abandonam os pacientes pelas agendas lotadas por novos interesados em operar. Muitos pacientes que já eram depressivos, ansiosos, com transtorno alimentar (compulsão), bulimia), ou mesmo psicose - com medicmanetos que provocam ganho de peso. Encaminham para clínicos, endocrinologistas e psiquiatras "se virarem " com o problema que não foi resolvido... Parabéns, Márcio Candiani - Psiquiatra
ResponderExcluir"glutão e grotesco que você observou no almoço. Todos sabemos que os obesos são obesos por causa de modo como comem, seja lá qual for o mecanismo fisiopatológico envolvido na perpetuação do processo. Mas a cirurgia bariátrica veio para salvar a vida dessas pessoas fracas, ignorantes, negativistas, socialmente e ambientalmente incorretas. Há problemas, há complicações, há mortes como qualquer tratamento médico. Mas por incrível que pareça, não há alternativa melhor disponível"
ResponderExcluirQue pena desta pessoa BURRA. Mas será que apenas a cirurgia resolve o caso dos obesos??? Será que vale a pena se submeter aos risco da cirurgia, com as muitas possíveis dificuldades, em função de agradar aos olhos de uma sociedade magra, ou do imbecil que escreveu acima. Me diga onde mora esta felicidade de magro.
Respeitem as pessoas e levem a possibilidade de uma cirurgia com seriedade sem oportunismo de ganhar dinheiro com a gordura dos outros. Não ofereçam o paraíso de uma vida diferente apenas por diminuir a cintura. Repeite as pessoas que podem estar sendo felizes sendo glutões esperando um bife acebolado, melhor do que ficando se entupindo de complexos vitamínicos, fazendo cirurgias plasticas para retirar as peles penduradas - outra cirurgia será???
Por favor, nos poupem de suas cabeças de gorduras e deixe a nossa gorda barriguinha glutona.