A sua mãe está internada no primeiro dia após a realização de uma colecistectomia eletiva (retirada da vesícula programada) e você é o acompanhante. No meio da noite sua mãe começa a queixar-se de dor na barriga. Você chama a enfermagem pela campainha. Após longos 13 minutos, a enfermeira vem avaliar sua mãe e fala que vai chamar o médico. Por telefone, sem avaliar sua mãe, o médico solicita a administração de uma dipirona (analgésico). Após 46 minutos da medicação, com uma piora significativa da dor, o médico ainda não veio avaliar sua mãe. Você...
a) Aperta a campainha de novo.
b) Tenta acalmar sua mãe que está gemendo de dor com compressas mornas na barriga.
c) Educadamente vai ao posto de enfermagem solicitar uma “re”avaliação.
d) Chega no posto de enfermagem exigindo a presença do médico.
Após 1 hora e 27 minutos do início dos sintomas, o médico chega para avaliar a sua mãe. Você...
a) Solta os cachorros para cima dele. “Pago caro e exijo qualidade!”
b) Pede desculpas pela chateação. Sua mãe realmente é muito manhosa.
c) Sai do quarto e aguarda a avaliação do médico.
d) Já achou na internet uma causa para aquela dor.
Pois bem, isto ocorre frequentemente em ambientes hospitalares pelo mundo afora. Não vou entrar nos méritos de condutas durante esta postagem mas vou discorrer sobre o “Paciente/Familiar Chato”.
Todos nós já nos deparamos com esta frase: “Nossa, aquele paciente é muito chato!”, muito escutada no dia-a-dia na área de saúde. O rótulo de “Paciente/Familiar Chato” é muito perigoso e, na maioria das vezes, injusto e incorreto.
Coloque-se na situação acima. Você se consideraria chato se exigisse uma avaliação médica da sua mãe com mais ímpeto?
Porque percebemos tanta coisa errada quando estamos internados ou acompanhando alguém que está? Somos chatos ou o sistema é realmente falho e ruim? Já notaram que as coisas erradas acontecem sempre com os pacientes/familiares “chatos”? Por que será?
A justificativa mais plausível é a seguinte: os pacientes/familiares “chatos” estão, simplesmente, alertando que existe alguma coisa errada acontecendo. Sendo assim, redobre a atenção nestes casos. Antes de rotular um paciente/familiar de “chato”, reveja toda a situação em busca de possíveis falhas. A falta de comunicação é o calcanhar de Aquiles de toda instituição de saúde e a grande culpada pela “chatice”.
Os profissionais de saúde passam a evitar o contato com o paciente/familiar “chato”, aceleram as avaliações, tendem a ser ”secos” e com pouca, ou nenhuma, sensibilidade ao explicar tratamentos e diagnósticos. Estas condutas tendem a agravar a insegurança e a insatisfação que não podem, de maneira alguma, serem confundidas com chatice.
O que julgo fundamental é o treinamento para se distinguir a chatice real da preocupação natural de um paciente/familiar que encontra-se inseguro. Isto demanda tempo e experiência. O que percebo é o limiar muito baixo dos profissionais de saúde no que se refere à paciência associados à uma completa falta de empatia. Característiscas que certamente diferenciam qualquer profissional em qualquer área.
A paciência é nutrida por três fatores:
1) Condições de Trabalho: fornecidas, em parte, pela organização e desenvolvida pelo próprio profissional através das relações interpessoais no trabalho.
2) Remuneração Justa: Indispensável! A paciência é diretamente proporcional aos ganhos financeiros. Como já dizia meu pai: “Não existe paciente chato, você que está ganhando pouco!”
3) Descanso Adequado: sem sombra de dúvida, o melhor nutriente da paciência. Férias regulares, redução da carga de trabalho e o “desligar” (já citado neste blog) são vitais para a manutenção da paciência.
A empatia é o reconhecimento das emoções das pessoas, colocando-se no seu lugar e avaliando a situação da posição do outro. Empatia é uma característica que pode, e deve, ser treinada e aprimorada. Atrevo-me a dizer que em 95% das vezes (acho que ainda não existem estatísticas sobre o assunto), a “chatice” pode ser revertida utilizando-se a empatia.
O melhor antídoto contra a “chatice” na saúde é a atenção. Uma boa conversa, sem pressa e com paciência gera a empatia necessária para a continuidade e o sucesso do tratamento. O paciente/familiar sentindo-se seguro, não fica chato. Obviamente esta regra não se aplica à todas as situações mas treinando a empatia e cultivando a paciência, certamente o número de “chatos” ao seu redor se reduzirá bastante.
A "empatia" é um componente importante na formação do caráter. Ela orienta a boa educação e o respeito que construimos ao longo da vida. Infelizmente não é possível aprendermos na faculdade como uma disciplina. Muitas vezes reconhecemos e apreciamos seu valor na prática médica, mas pouco a utilizamos como um instrumento de nosso trabalho para alcançar o sucesso terapêutico. Bom tema pra refletir! Parabéns!
ResponderExcluirO grande desafio deste cenário escrito é confrontar com a realidade que vivemos na área da saúde no Brasil. Profissionais da saúde que ganham pouco e que por isso precisam dobrar cargas horárias de trabalho. Sendo assim, somos atendidos na grande maioria das vezes por profissionais cansados e insatisfeitos...A situação se agrava quando temos o "conto de fadas dos planos de saúde". Pois no plano de saúde temos a percepção de segurança de ser atendido quando precisamos e termos um tratamento diferenciado. Ledo engano...continuamos sendo atendidos por profissionais cansados e insatisfeitos. O post é muito relevante e a socidade médica precisa discutir isso com mais frequencia para reverter este quadro. O cenário é muito crítico. Parabéns!
ResponderExcluirBRENO, estou lendo atentamente seus artigos.Estou adorando. Vai colecionando para escrever um livro. Parabens para você. Grande abraço.
ResponderExcluirParabéns pelo post!
ResponderExcluirAs questões levantadas são bastante pertinentes, mas puxando a sardinha para meu lado, gostaria de propor uma reflexão sobre a subjetividade dos profissionais. O que nós faz rotular um paciente como chato? Os problemas de gestão são enfrentados por todos, mas alguns conseguem driblar tais adversidades e manter uma boa relação com o paciente.
Inúmeras questões me vêm à cabeça, mas optei por me ater naquele paciente que "já achou na internet uma causa para aquela dor". Hoje o paciente deixou de ser um sujeito passivo de um ato médico, para se tornar um colaborador ativo do profissional de saúde, devendo as decisões ser tomadas em conjunto, valorizando-se o respeito pela autonomia da pessoa.
Infelizmente tenho percebido que muitos pacientes que questionam e opinam sobre seu tratamento são tidos como "chatos" pela equipe de saúde.
Estaremos nós conseguindo unir o princípio da Beneficência ao do Respeito pela Autonomia do outro?
Caro Breno,
ResponderExcluirpara cada post seu me ocorrem sempre muitos comentários. Esse me interessa particularmente, porque vc tocou num ponto fundamental: a falta de preparação dos médicos para a arte da comunicação. Então, eu pergunto: é possível aprender a comunicar? Se pode desenvolver a empatia? Certamente sim. Mas quantos de nós médicos receberam alguma formação específica na área? Não seria hora de inserir cursos afins no curriculum médico? E o ensino da ética, como bem lembrou Larissa? Absolutamente indispensável para alguém que lida diariamente com decisões sobre a vida e a morte. E no entanto não conheço muitos profissionais que tenham tido essa oportunidade.
E depois achamos ruim quando dizem que a Medicina atual está em crise...Pudera...
Breno, parabéns pelo seu blog. Ele trata de maneira prática e simples as grandes questões da saúde no Brasil. Também sou da opinião de grandes mudanças podem ser obtidas com ações simples mas que requerem disciplina e força de vontade.
ResponderExcluirUm grande abraço do primo e fã.
Átila Gomes
olha não é bem assim que funciona... Sou Secretaria de uma Clinica e existe muitos paciente sem educação que exige algo que não podemos fazer nada em relação pq recebemos ordens e eles culpam e gritam com a gente
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