O presidente do Google permitiria que um funcionário seu trabalhasse no Facebook? O dono da Coca-Cola, deixaria seu gerente trabalhar meio horário na Pepsi? O gerente da FIAT iria tolerar seu funcionário trabalhando na Ford? A resposta parece óbvia mas no setor de saúde isso é absolutamente normal. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e até mesmo gestores trabalhando em vários hospitais concorrentes.
Leviano aquele que afirma que não existe concorrência entre hospitais. É óbvio que existe e está se acirrando a cada dia. Bom para os hospitais, melhor ainda para os pacientes. A busca contínua das melhores práticas tornou-se peça fundamental no cenário de saúde atual. A segurança do paciente já é uma ferramenta nobre de gestão, marketing e lucro dos hospitais. Não muito longe, os pacientes já escolhem os hospitais que irão ser atendidos. Aquelas instituições que não se prepararem, impreterivelmente, serão “engolidas”.
Citarei alguns pontos que julgo importantes nesta discussão:
1- Médicos - A formação do médico é muito longa, dispendiosa e sacrificante. Enquanto um engenheiro entra no mercado de trabalho em 4 anos, o médico que se propõe a se especializar em cardiologia, por exemplo, entra após 10 anos. A “ansiedade financeira” é característica comum da maioria absoluta dos jovens médicos. A necessidade de começar a ganhar dinheiro rápido leva o jovem profissional a se submeter a condições de trabalho ruins, a uma carga horária desumana e ao “nomadismo médico”. Vejo inúmeros colegas achando bonito trabalhar em quatro, cinco, seis lugares diferentes. A escolha de locais baseados apenas nos ganhos financeiros é uma realidade. O médico, literalmente, é engolido pelo sistema. Boa parte deste problema é gerado pelo próprio hospital que não estimula a fidelização.
2- Enfermagem - Os profissionais da enfermagem (enfermeiros e técnicos) esbarram em uma legislação “para inglês ver”. A carga horária é limitada em um serviço mas o número de serviços não é limitado pela legislação. Profissionais trabalham em diversos locais para melhorar a renda e não se dedicam de forma plena à uma instituição. Outro fator preocupante é a falta de estabilidade no emprego. Gostaria de lembrar aqui que estabilidade no emprego, na maioria das vezes, é conseguida pela qualidade do serviço prestado e dedicação. O bom profissional, de verdade, não precisa ter medo pois sempre terá o seu lugar.
3- Gestores - Inúmeros profissionais prestam consultoria para várias instituições concorrentes. O acesso a informações privilegiadas, inovações, deficiências e projetos coloca estes profissionais em uma posição bastante ambígua. Excelentes salários e cobranças de resultados praticamente inexistentes ou facilmente manipuladas viram uma rotina com o passar dos anos.
4- Hospital - A desvalorização do corpo clínico e da enfermagem criam instituições cheias de bons profissionais sem uma equipe realmente efetiva. Aceitar os “nômades” e cobrar resultados é ininteligível.
Os grandes hospitais já começaram a vislumbrar o óbvio. A formação de uma equipe de trabalho exclusiva pode ser um caminho. A Medicina Hospitalar cresce a cada dia e se mostra uma alternativa viável e eficiente. O médico precisa enxergar que agregar-se a uma grande instituição é muito importante. A participação ativa na gestão favorece o crescimento do hospital e do próprio profissional. A enfermagem precisa rever suas legislações e defender a exclusividade bem remunerada, ao invés, de sonhar com uma estabilidade ilusória. As grandes instituições precisam de independência decisória para se tornarem competitivas. Valorizar os profissionais “da casa” é o caminho mais fácil e promissor. Cativar os colaboradores com boas condições de trabalho, remuneração justa e reconhecimento promovem a cumplicidade, a exclusividade e a obtenção de resultados realmente impactantes para a instituição. As instituições que acabarem com esta “traição disfarçada” sairão na frente.
Excelente constatação, uma realidade a ser buscada. Infelizmente a desvalorização do profissional da saúde ainda é muito grande.
ResponderExcluirUma só correção, para se formar cardiologista são 10 anos (faculdade 6 + residencia em clinica 2 + residencia em cardiologia 2).
Corrigido! Obrigado!
ResponderExcluirExcelente!
ResponderExcluirConcordo plenamente.parabens
ResponderExcluirExiste um outro lado que nao foi levado em consideracao no seu raciocinio. Uma parcela significativa dos medicos prefere trabalhar em diferentes locais buscando uma falsa sensacao de protecao ou independencia. Se ele trabalha em 3 ou mais lugares diferentes, nenhum destes empregos torna-se vital para a sua renda. E assim, se houver uma mudanca na remuneracao ou nas condicoes de trabalho em um desses locais, o medico pode se dar ao luxo de discordar e pedir demissao, sabendo que seus outros empregos o irao sustentar.
ResponderExcluirInfelizmente, tirar vantagem esta no DNA do brasileiro. Muitas vezes, o dono do hospital ou da clinica sabe que o medico fica mais vulneravel e propenso a aceitar piores condicoes quando trabalha com exclusividade. Entao os culpados sao os donos de hospitais? Claro que nao! Na grande maioria dos casos, sao pessoas honestas pressionadas pelos impostos e juros mais elevados do mundo somados a leis trabalhistas abusivamente protetoras. A carga tributaria para contratacao ou demissao de um medico no Brasil e provavelmente a mais alta do planeta. E nao quero nem entrar no merito dos convenios e planos de saude que reduzem ou cancelam seus pagamentos.
Nao estou apoiando a pratica de trabalhar em varios locais, que ate considero prejudicial tanto a saude quanto a qualidade de servico do medico. Mas, enquanto medicos forem obrigados a se tornar firmas prestadoras de servico sem protecao ou beneficios trabalhistas adequados, atuar em diferentes lugares pode parecer atraente, seja por determinar um aumento na renda total do medico ou por proporcinar uma defesa contra condicoes abusivas de trabalho.
O problema tambem nao esta na "ansiedade financeira" da classe medica. Nos EUA, por exemplo, medicos geralmente se formam mais tarde que no Brasil e com significativos emprestimos educacionais para pagar e continuam sendo uma das classes com mais prestigio e bem remunerada.
O problema esta na desorganizacao, corrupcao, e inversao de valores que existe na politica de saude brasileira onde a "Lei de Gerson" obriga hospitais e medicos a obedecer a "Lei de Darwin": adaptar ou perecer.
Muito bem, Breno... Excelente análise!
ResponderExcluirEngenheiro se forma basicamente em 5 anos e, para se tornar um especialista em alguma área, precisa de 1 a 2 anos de pós graduação. Não é 4 anos, Breno. Quando tiver mais tempo, irei postar um comentário leigo e de usuária do atual sistema de saúde, mas concordo com o que você escreveu. Acho que o formato atual de gestão de hospitais deixa bastante a desejar...
ResponderExcluirExcelente posicionamento, Breno.
ResponderExcluirParabéns pela postagem.
O problema da assistência a saúde esta longe de ter uma solução. Vejo uma serie de questões que impedem uma solução de curto prazo. Governo, médicos, hospitais e operadoras de saúde não demonstram um pensamento comum sobre a gestão dos recursos.
ResponderExcluirQuando se espera uma normatização do trabalho médico no setor de saúde com concursos, planos de carreira e metas de atuação vem a notícia de que atuação no PSF vai passar a valer ponto no currículo para a residência médica. Isso implica que o próprio governo acredita que o trabalho no PSF seja uma espécie de penitência que o jovem médico, sem experiência, deve cumprir até que ele entre em uma residência. Isso implica também que não se terá uma continuidade no trabalho médico nas comunidades e não teremos como avaliar as metas de atuação dos médicos neste programa.
Os médicos se adaptaram a trabalhar muito e ganhar por volume. Não estão acostumados a lidar com concorrência e medidas de qualidade. Perdemos a capacidade de buscar de forma criativa uma reformulação na forma de atenção a saúde. A ideia de que o mercado nos obriga ou que não temos escolha é lamentável. Sempre temos escolhas, elas estão logo ali. Muitas vezes não estamos preparados para vê-las.
Os hospitais se eximem do papel de lutar pela melhoria dos honorários médicos. Se esquecem de que os médicos são funcionários que trabalham nas suas dependências e de que deles depende a qualidade do serviço prestado.
A operadoras argumentam que não podem pagar melhor os médicos pois inviabilizaria o negócio. Não sabem eles (ou sabem e não ligam) que, com os valores pagos hoje, inviável é ser médico!
Completo com um problema ainda não abordado em outros textos que li. Para que um seguimento melhore a prestação de serviços é necessário que o cliente cobre pela qualidade e saiba como é realmente um serviço de qualidade. A maior parte da população brasileira não tem nem ideia do que é qualidade em assistência a saúde. Na verdade, os brasileiros estão acostumados a não terem assistência à saúde. Desta forma, com raras exceções, se conformam com o que lhes é oferecido.
Breno, parabéns pela iniciativa e coragem de tratar de temas polêmicos muitas vezes legados ao não dito.
Grande abraço.
Paulo Miranda