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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Contrabando no Sanatório

Maurinho acabava de completar 20 anos. Há 5 anos, veio do interior para a capital, Belo Horizonte. Conseguiu um emprego no Banco da Lavoura de Minas Gerais e já começava a ganhar um dinheirinho. O ano era 1958, e o Brasil acabara de conquistar o primeiro título mundial de futebol na Suécia. As coisas pareciam tranquilas, mas Maurinho começou a emagrecer sem uma causa aparente. Arranjou uma tosse chata, que já durava 2 meses, além de uma febre que vinha com mais frequência a noite. Os amigos passaram a notar, mas Maurinho desconversava. Certa feita, em uma manhã mais fria de inverno, tossiu tanto que escarrou sangue. Tinha alguma coisa de errado. Resolveu procurar um médico. Após um exame clínico criterioso, avaliação do escarro e uma abreugrafia, o diagnóstico: tuberculose. Maurinho ficou sem chão. Tuberculose era certeza de morte. Mandou uma carta para os seus pais no interior e comunicou sua internação em um sanatório para tratamento.

Naquela época, tuberculose não possuía tratamento medicamentoso efetivo. A mortalidade era altíssima. O diagnóstico de tuberculose era catastrófico. Belo Horizonte era um dos principais pólos de tratamento, devido ao clima. Maurinho deu muita sorte. Como trabalhava no Banco da Lavoura, tinha acesso ao tratamento de ponta através do IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários) e foi internado no Sanatório Minas Gerais, atual Hospital Alberto Cavalcanti.

Chegou ao sanatório cabisbaixo, triste, mas confiante. As chances eram mínimas, mas existiam. Ele ficou encantado com a estrutura do sanatório. Quartos muito bem arejados, limpos e bem cuidados. Refeições de primeira linha. No café da manhã, por exemplo, escolhia-se o suco natural da sua preferência. As quartas e sábados, ocorriam sessões de cinema. O local era maravilhoso, cercado de árvores e muito ar puro, vitais para o tratamento conhecido na época. Jogos de sinuca, dama, xadrez e baralho eram constantes. O sanatório era um hotel de luxo para os segurados do IAPB.

Na primeira semana, logo no início do seu tratamento, Maurinho conheceu Cristóvão, trinta e poucos anos, e já internado há dois anos sem conseguir se curar. Cristóvão, porém, não parecia doente. Tornaram-se grandes amigos. Após duas semanas, Maurinho descobriu o segredo do amigo. Mensalmente, os médicos solicitavam o escarro dos pacientes para avaliar uma possível cura. A pesquisa do BAAR (Bacilo Álcool Ácido Resistente), identifica a micobactéria causadora da tuberculose. Os pacientes com escarro negativo eram considerados aptos a deixar o sanatório. Cristóvão era um contrabandista de escarro positivo. Abordava os pacientes recém chegados e negociava a coleta de escarro dos mesmos. Utilizava os escarros positivos nos seus exames mensais e vendia para aqueles que, assim como ele, não queriam sair do sanatório. Afinal de contas, perder aquela mordomia era inadmissível para vários pacientes internados.

Em troca do escarro, Cristóvão arranjava desde dinheiro até umas moças para os colegas que disponibilizavam o material. O esquema era forte. Maurinho ficou com medo de ser pego e não se envolveu no contrabando de escarro. O tempo passava e inúmeros colegas morriam. Hemoptises fulminantes eram as mais temidas pelos internos. A cena se repetia quase semanalmente. Maurinho e Cristóvão fortaleceram a amizade em meio ao drama do sanatório.

Após 9 meses, sentindo-se bem melhor, o exame de Maurinho veio negativo. O repouso, o ar puro, a boa vida, a fé e a vontade de viver conseguiram curar sua tuberculose. Ele estava livre. Dois anos mais tarde, reencontrou Cristóvão no banco. O encontro foi marcante para os dois. Combinaram de sair para tomar uma cerveja e colocar o papo em dia. Após umas cachaças, Cristóvão contou para o amigo sobre o seu novo “empreendimento”, dessa vez mais arriscado para ele, porém, com um retorno alto.

Naquela época, exame positivo para xistose era motivo de dispensa do serviço, para tratamento, durante um mês. Quando descobriu que era portador de xistose, apesar de não sentir absolutamente nada, Cristóvão começou a faturar em cima da sua nova doença. Recebia o tratamento, mas não tomava os remédios. Vendia suas fezes com a garantia do resultado positivo. Inúmeros colegas compravam as fezes de Cristóvão para descansar do trabalho durante um mês. Manteve seu negócio durante mais 6 anos sem ser descoberto. Quando percebeu a barriga inchando muito, resolveu se tratar, fechando as portas do seu empreendimento e encerrando sua carreira de contrabandista.



Hoje, completo um ano de postagens no “Divagando em Saúde”. Confesso que é muito difícil escrever semanalmente, mas é gratificante. Após mais de 24 mil acessos, noto que esse “trabalho” vale a pena. Vou descansar durante duas semanas e retorno em setembro com mais divagações…

2 comentários:

  1. eu como estive internado na sanatorio alberto cavalcan ti de 1961 a 1963, confirmo plenamente a narrativa referente a alimentação e as acomodações do sanatorio. coisa de primeiro mundo. A titulo de bate papo inmformo que aos domingos decia para o bairro padre eustaquio de manhã tomar cerveja e jogar sinuca , na volta na subida da rua para o sanatorio tinha um linda moreninha de seus 15 ou16 anos que ficava esperando eu passar para me ver, quando ela não estava ali, as colegas dela corriam a cha,ma-la para me ver.

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  2. esta postagem acima de 28/janeiro/2017 , corresponde a minha historia, sem mudar uma virgula ou ponto. realemnte fuiz feliz na minha estada no sanatorio

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